Um projeto de lei (PL 9602/2018) que torna obrigatória a comunicação das complicações em procedimentos estéticos aguarda apreciação pelo Senado, após ter sido aprovado na Câmara dos Deputados, em dezembro do ano passado. Segundo o texto, o objetivo é aprimorar a qualidade das informações, facilitando o acesso aos dados para prevenir tais casos. A morte de um empresário de 27 anos em São Paulo, no último dia 3 de junho, após submeter-se a um peeling de fenol, trouxe à tona os riscos dessa técnica.
Um artigo publicado nos Anais Brasileiros de Dermatologia ressalta a escassez de publicações que demonstrem a real extensão desses eventos adversos, muitas vezes mantidos em sigilo médico ou não expostos por constrangimento. Isso abrange desde problemas em procedimentos complexos, como cirurgias plásticas, até aqueles decorrentes de preenchimentos, alisamentos, tatuagens e piercings, que podem resultar em intoxicações, infecções e até mesmo cegueira. É crucial compreender as causas desses incidentes, que afetam frequentemente pessoas jovens e saudáveis, bem como produtos e intervenções de baixa qualidade que representam riscos à saúde pública.
De acordo com as investigações sobre a morte do empresário Henrique Silva Chagas, ele faleceu cerca de duas horas após realizar um procedimento conhecido como peeling de fenol (ver abaixo), realizado na clínica de uma esteticista. Chagas sofreu graves lesões no rosto e na garganta, levantando suspeitas de reação alérgica, que teria desencadeado um choque anafilático. Segundo informações preliminares, ele não havia passado por exames prévios.
Após este caso, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) emitiu uma nota técnica esclarecendo que o peeling de fenol, existente há muitos anos, é um procedimento agressivo e invasivo que deve ser realizado por médicos habilitados, de preferência em ambiente hospitalar.
Conforme a SBD, o profissional deve ser capacitado e especializado para realizar uma avaliação médica completa do paciente, considerando seus fatores de risco e possíveis efeitos adversos. “Como em muitos procedimentos, há uma banalização, e sempre que isso ocorre, os riscos são subestimados, resultando em casos de complicações”, observa a dermatologista Barbara Miguel, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Infelizmente, as pessoas escolhem o profissional com base no número de seguidores e em fotos ‘antes e depois’, cujos resultados nem sempre refletem a realidade. Assim como a internet proporciona acesso à informação, ela também simplifica tudo.”
Portanto, antes de qualquer procedimento clínico ou cosmético, a SBD recomenda buscar sempre a orientação de um dermatologista, que poderá avaliar corretamente as condições e indicar a melhor abordagem. Também é importante garantir que o profissional seja devidamente qualificado, possua as credenciais necessárias e esteja registrado em órgãos reguladores, como CRM e RQE (Registro de Qualificação de Especialista) para atuar na área.
“Procedimentos médicos sempre envolvem riscos e complicações potenciais, algumas vezes irreversíveis, que podem ser agravadas quando não há uma avaliação completa da saúde e das expectativas do paciente”, destaca a dermatologista.
O que é o peeling de fenol?
Os peelings são procedimentos que promovem uma esfoliação da pele e podem ser superficiais, médios ou profundos. Eles são utilizados para tratar problemas como fotoenvelhecimento, rugas e cicatrizes. No caso do fenol, trata-se de um peeling profundo, extremamente agressivo, que remove completamente a epiderme, a camada mais superficial, atingindo a derme. O objetivo é promover uma regeneração completa do tecido, eliminando rugas e marcas. Quando indicado e realizado corretamente, pode proporcionar ótimos resultados.
Quais são os riscos e cuidados na aplicação? O fenol é um composto absorvido pela pele e entra na corrente sanguínea, podendo ter efeitos tóxicos sobre o coração, os rins e o fígado. Também pode causar arritmias graves e até parada cardíaca. Portanto, o procedimento é contraindicado em pacientes com problemas nessas áreas. Além disso, não é recomendado para pessoas com pele morena e deve ser evitado por fumadores. Antes de realizar o procedimento, é essencial realizar exames para uma avaliação completa do paciente e de suas comorbidades.
O uso de fenol para tratar cicatrizes começou durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). No entanto, nos anos 1960, os peelings começaram a ser aprimorados e tornaram-se mais populares. Atualmente, com modificações na fórmula, ele já não é mais um procedimento restrito ao ambiente hospitalar e pode ser realizado em consultório. No entanto, deve haver monitorização cardíaca e a equipe médica deve estar preparada para lidar com complicações. “Não é um procedimento que qualquer um pode fazer”, ressalta a especialista do Einstein. Para a SBD, o peeling de fenol deve ser realizado “preferencialmente em ambiente hospitalar, com o paciente devidamente anestesiado e sob monitorização cardíaca.”
Como é a recuperação e quais são as possíveis complicações?
Normalmente, após o procedimento, ocorrem dor, inchaço e formação de crostas espessas. A recuperação completa pode levar até três meses. No entanto, existem riscos de hiperpigmentação ou hipopigmentação, formação de cicatrizes, eritema persistente (vermelhidão) e reações alérgicas, bem como infecções e até problemas cardíacos imprevisíveis. Segundo a SBD, os riscos são independentes da concentração, do método de aplicação e da profundidade atingida na pele.