Após as inundações no Rio Grande do Sul, ambas as doenças podem coexistir e infectar simultaneamente a população; é aconselhável procurar atendimento médico para um diagnóstico preciso
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein – Há pouco mais de um mês, o Rio Grande do Sul enfrenta as consequências das enchentes e inundações resultantes das fortes chuvas ocorridas no final de abril. Além dos danos à infraestrutura urbana e das vidas perdidas, os gaúchos também enfrentam a propagação de doenças que se espalham mais facilmente em situações como essa, especialmente a leptospirose e a dengue. Ambas apresentam sintomas muito semelhantes, o que pode dificultar o diagnóstico correto. Como distingui-las?
A leptospirose é causada pela bactéria do gênero Leptospira e é transmitida pelo contato com a urina de ratos infectados. Durante as enchentes, o simples contato da pele e das mucosas com água suja e lama pode ser suficiente para causar a infecção. Os primeiros sintomas incluem febre alta (acima de 38°C), que surge repentinamente, acompanhada de calafrios, dores de cabeça e musculares (principalmente na panturrilha), falta de apetite, náuseas e vômitos, além de olhos vermelhos. Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma doença negligenciada e subnotificada, estima-se que ocorram cerca de 500 mil novos casos em todo o mundo a cada ano, com uma taxa de mortalidade que varia de 10 a 70% em casos graves.
“A leptospirose é uma doença de notificação obrigatória em todo o território nacional. O diagnóstico deve ser feito na suspeita de casos isolados ou em surtos, o mais rápido possível, para que as autoridades de saúde possam tomar medidas de vigilância epidemiológica e controlar a disseminação da doença. Em situações de desastres como as do Rio Grande do Sul, todo o sistema de saúde está alerta para casos suspeitos”, explica Emy Akiyama Gouveia, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
Por outro lado, a dengue é transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti. Os sintomas aparecem entre três e cinco dias após a picada e incluem febre alta repentina (entre 38º e 40°C), acompanhada de dores de cabeça, nas articulações e atrás dos olhos, fraqueza, falta de apetite e náuseas. Se o quadro piorar, a pessoa pode desenvolver manchas vermelhas na pele e sangramento das mucosas (indicando uma diminuição nas plaquetas). O mosquito se adaptou ao ambiente urbano e se reproduz facilmente, inclusive em água parada com matéria orgânica – uma situação comum na Região Sul atualmente.
Um ponto importante, destaca a especialista do Einstein, é que o período de incubação da leptospirose pode ser longo (chegando a 30 dias, embora a média seja de sete a 14 dias) e a infecção também pode ocorrer de forma indireta, através da ingestão de alimentos contaminados pela urina.
“Portanto, pode haver situações em que a pessoa não teve contato direto com a água das enchentes, mas acaba contraindo a infecção. Em situações de desastres que envolvem inundações, a segurança alimentar é crucial, pois a contaminação pode ocorrer devido às condições inadequadas de armazenamento causadas pela proliferação de roedores na área”, alerta Gouveia.
Diagnóstico correto é essencial
Como ambas as doenças apresentam sintomas semelhantes que podem ser confundidos, é fundamental procurar atendimento médico e fazer os testes para confirmar o diagnóstico. “Existe um ponto crítico: no cenário epidemiológico atual do Rio Grande do Sul, os dois tipos de infecção podem coexistir em um paciente. Portanto, é crucial que as pessoas busquem atendimento médico ao apresentar qualquer sintoma sugestivo, para que os casos graves possam ser identificados e tratados”, orienta a médica.
O diagnóstico da leptospirose é feito através da coleta de amostras de sangue para avaliar a presença de anticorpos. Também é possível realizar testes diretos para detectar a bactéria, culturas ou exames de biologia molecular para identificar o DNA do microrganismo. De acordo com Gouveia, outros exames não específicos são importantes para avaliar a gravidade da infecção, como testes de coagulação sanguínea, função renal e hepática, além de eletrocardiogramas, entre outros, dependendo da condição clínica do paciente.
Para confirmar a dengue, leva-se em consideração o quadro clínico do paciente e, em alguns casos, são realizados exames laboratoriais, como hemogramas, pesquisa de anticorpos produzidos contra o vírus, testes de antígenos e exames bioquímicos.
A leptospirose pode resultar em quadros assintomáticos, leves (que podem ser tratados em regime ambulatorial) ou graves, com comprometimento do fígado (icterícia), dos rins (insuficiência renal, eventualmente necessitando de hemodiálise), dos pulmões e do sistema nervoso. “No caso da leptospirose, quanto mais cedo o tratamento com antibióticos for iniciado, melhor. Em casos leves, o paciente pode receber medicação em casa, por via oral. Nos casos graves, são necessários antibióticos administrados por via intravenosa”, orienta Gouveia.
Pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, estão desenvolvendo um novo método de diagnóstico da leptospirose, mais eficaz que o teste padrão atual, capaz de detectar a doença ainda na fase inicial. Um estudo recente publicado na revista Tropical Medicine and Infectious Disease mostrou que o novo método conseguiu detectar a doença em mais de 70% dos pacientes que inicialmente obtiveram resultados negativos. De acordo com o Butantan, o novo teste apresentou uma especificidade de 99% e não apresentou reação cruzada com outras doenças infecciosas, como dengue.