O ex-presidente da República de Portugal, o primeiro eleito após o 25 de Abril, o general Ramalho Eanes, defendeu nesta segunda-feira, dia 26 de Julho, que Otelo Saraiva de Carvalho, falecido na madrugada do último domingo, tem direito a um “lugar de proeminência histórica”, apesar “da autoria” do que considerou “desvios políticos perversos, de nefastas consequências”.
“Para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida”, defendeu o general Ramalho Eanes, num texto enviado à agência Lusa.
“O Otelo era um homem bom, generoso, embora, por vezes, pouco prudente, pouco realista – contraditório, mesmo. Adorava representar, até na vida real, esquecendo que a representação exige um espaço delimitado, em que tudo o que aí é normal não o é na vida real”, escreveu Ramalho Eanes.
E prossegue, “para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida”.
“E penso assim porque entendo que um Homem é uma unidade e continuidade, uma totalidade complexa, e que só é bem julgado quando considerando, historicamente, esse quadro e o seu contexto. Mas há homens que, num momento histórico especial, se ultrapassam, ganhando dimensão nacional, indiscutível, porque souberam perceber e explorar uma oportunidade histórica única, e sentir os anseios mais profundos do seu povo”, acrescentou ainda o antigo Presidente da República de Portugal, que terminou escrevendo: “Otelo é uma dessas personalidades. A ele a pátria deve a liberdade e a democracia. E esta é dívida que nada, nem ninguém, tem o direito de recusar”.
MPLA elogiou o militar de Abril
“Foi com profundo sentimento de pesar que o Secretariado do Bureau Político do MPLA tomou conhecimento da morte do revolucionário português Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, um dos principais estrategas do 25 de Abril de 1974”, lia-se no comunicado do BP do partido que governa Angola desde 1975, data da sua independência.
O MPLA endereçou “sentidas condolências” à família e ao povo português, e salientou que a morte de Otelo representa a perda de um cidadão do mundo “dedicado e engajado na luta pela justiça social e por uma maior igualdade social entre os homens”.
“Pelo infortúnio, o Secretariado do Bureau Político do Comité Central do MPLA inclina-se perante a memória do malogrado, endereçando à família enlutada e ao povo português, sentidas condolências”, concluiu a nota do BP do MPLA.
Nascido em 31 de Agosto de 1936 em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique, Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho teve uma carreira militar desde os anos 1960, fez uma comissão durante a guerra colonial na Guiné-Bissau, onde se cruzou com o general António de Spínola, até ao pós-25 de Abril de 1974.
No Movimento das Forças Armadas (MFA), também conhecido como ‘Movimento dos Capitães’, que derrubou o regime salazarista, na altura liderado por Marcello Caetano que sucedeu a Salazar após a morte do ditador, assumiu-se como o militar, ainda que não fosse o único, de elaborar o plano de operações militares e, daí, ser conhecido como estratego do 25 de Abril.
Depois do 25 de Abril, foi comandante do COPCON, o Comando Operacional do Continente, durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), surgindo associado à chamada esquerda militar, mais radical, e foi candidato presidencial em 1976 e 1980, eleições ganhas, justamente, por Ramalho Eanes – primeiro e segundo mandato.
Na década de 1980, o seu nome surge associado às Forças Populares 25 de Abril (FP-25 de Abril), organização armada responsável por dezenas de atentados e 14 mortos, tendo sido condenado, em 1986, a 15 anos de prisão por associação terrorista. Em 1991, recebeu um indulto, tendo sido amnistiado cinco anos depois, uma decisão que levantou muita polémica na altura. Não progrediu na carreira militar, não chegou a general, em consequência deste processo, e atingiu o posto de coronel devido à antiguidade.
No 25 de Abril de 1974, no quartel da Pontinha, nos arredores de Lisboa, foi o ‘operacional coordenador’ de um grupo oficiais intermédias dos três ramos das Forças Armadas portuguesas, que com determinação e coragem, pondo em risco as suas vidas e carreiras, executaram um golpe militar para acabar com um regime que se perpetuava há mais de 40 anos, com mais de uma década de guerra colonial, golpe que rapidamente se transformou numa revolução, a ‘revolução dos cravos’.