Dom José Manuel Imbamba, presidente da CEAST e arcebispo de Saurimo
Enquanto presidente da Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé (CEAST), como é que a Igreja Católica tem acompanhado o actual momento político do País?
A Igreja Católica sempre acompanhou e acompanha a história social, política, económica, religiosa e cultural do nosso País, fazendo seus os clamores, angústias, tristezas, esperanças e alegrias das pessoas de diferentes níveis. Ela caminha no mundo para iluminá-lo com a luz do evangelho que nos impele à vivência do amor autêntico e à prática da justiça.
Por isso, o momento actual temo-lo visto e acompanhado nesta óptica, assumindo-nos como guias espirituais que aconselham e procuram formar consciências rectas, como profetas que anunciam o bem e a salvação e denunciam o mal e a injustiça e como sentinelas que vigiam permanentemente, para que a dignidade da pessoa humana esteja sempre acima de quaisquer interesses, o direito e o bem-comum não se esfumem, o perdão e a reconciliação não se resumam em slogans de propaganda política e o desenvolvimento sustentável e a paz social não sejam um sonho adiado.
À semelhança de outras confissões religiosas, a Católica tem alguma palavra a dizer sobre as eleições e a preparação das mesmas. Que apreciação é que faz?
Penso que é um processo que felizmente começa a tornar-se cultura no nosso País, embora tenhamos ainda um longo percurso a fazer quanto à tolerância, ao respeito de opiniões contrárias, ao convívio na diferença, em suma, quanto à educação cívica. Há muito trabalho a fazer nos militantes da base, na qualidade do discurso político apresentado pelos líderes partidários e na melhoria do diálogo permanente entre eles. Noto que se gasta muito tempo a pensar mais nos partidos do que no País; trabalha-se mais para a promoção da militância partidária do que para a elevação da cidadania. Ainda temos muito a aprender e a transformar em nós mesmos, para passarmos a ter eleições que inspirem confiança, entusiasmo e fomentadoras do convívio social sem rotulações nem discriminação.
Já que nota que se gasta muito tempo a pensar mais nos partidos do que no País, não será que temos aqui uma oportunidade de “ouro” para a sociedade civil e para as igrejas, nas suas acções, alertarem a população de que Angola é mais importante do que qualquer partido político?
É a mensagem que temos procurado difundir. No meu primeiro discurso na plenária de Benguela, em Fevereiro passado, frisei muito este aspecto. De facto, a herança cultural pesada e nefasta que temos hoje é mesmo esta de pensar que a militância vale mais do que a cidadania, o partido mais do que a Nação, a bajulação mais do que a meritocracia, a exclusão mais do que a inclusão, a intolerância mais do que o diálogo, a massificação mais do que a personalização. Pelas aldeias, promovem-se mais as bandeiras partidárias do que a da Pátria!
Devemos, sim, todos trabalhar para a inversão deste quadro de valores que, em vez de incentivar o patriotismo, dissemina o fanatismo, a violência de todos os níveis, o egoísmo grupal, a arrogância, a insensibilidade e toda a gama de vícios correlacionados. Portanto, haja mais, e acima de tudo, Angola; haja mais cidadania consciente, participativa e inclusiva.
Objectivamente, senhor arcebispo, do seu ponto de vista, há ou não condições para termos eleições gerais transparentes?
Penso que as condições materiais estão criadas, assim como a mobilização dos cidadãos. O único senão tem a ver com os espaços de diálogo e de participação na feitura das coisas e na condução do próprio processo… Acho que processos como esses deviam primar pela comunicação fluída entre as partes interessadas, para se evitarem as suspeições que pairam no ar.
O secretário para a informação do Bureau Político do MPLA, Rui Falcão Pinto de Andrade, negou à Voz da América (VOA) haver qualquer interferência do seu partido nos órgãos de informação controlados pelo Governo, passando a responsabilidade para os jornalistas, tendo-os acusado de “excesso de zelo e auto-censura”. Na sua opinião, tem havido ou não interferência nos órgãos de comunicação social controlados pelo Governo?
O secretário para a Informação do Bureau Político do MPLA lançou a bola para os jornalistas. Penso que caberá a eles virem a público dizer o que realmente acontece lá dentro. Todavia, uma coisa é certa, o modo como os órgãos públicos tratam a informação, privilegiando mais a propaganda, a manipulação e a ausência de contraditório, lesa qualquer inteligência autónoma e produz alergias. É preciso respeitar, neste sentido, a maturidade política dos cidadãos que, felizmente, vai crescendo a cada dia; é preciso sabermos ler com objectividade e sabedoria os sinais dos tempos, para não nos tornarmos reféns da história e das ideologias.