Economia

Sobre autarquias, o líder da UNITA diz que “o partido de regime tem medo total”

“Hoje não se governa, distribui-se de forma criminosa os diferenciais do petróleo”, afirmou Adalberto Costa Júnior em entrevista ao Jornal de Negócios. Eis a entrevista:

No plano económico o que faria de diferente para desenvolver a economia de Angola?

Sem ignorar as dificuldades grandes que existem, acho que o caminho não é assim tão complexo. Faria tudo diferente. Hoje não se governa, distribui-se de forma criminosa os diferenciais do petróleo. A economia não está diversificada. Os empresários angolanos estão pobres, enfrentam a concorrência dos governantes e isso não mudou nada. Há quatro empresas que recebem praticamente 90% da contratação pública sem concursos. Portanto, o Presidente da República é o grande incentivador da corrupção, porque ele próprio assina contratos simplificados todos os dias, durante a campanha eleitoral também, quando era proibidíssimo. E aplica-se mal o dinheiro porque não se investe nos empresários, os quais podem ser o fator de transformação da sociedade. Precisamos de nos sentar com as forças vivas para saber que Angola temos hoje, que país queremos construir e que modelo político serve para a construir. Hoje o Governo está num sentido e a sociedade encontra-se num sentido totalmente distinto. Terminou na passada semana o encontro da CEAST [Conferência Episcopal de Angola e São Tomé] e as conclusões foram bastante fortes. A primeira delas foi a de que as instituições em Angola se têm de democratizar. Ou seja, estão a dizer-nos que a partidarização das instituições é uma realidade. E se não se despartidariza não há futuro para ninguém. Também dos dizem que são necessárias eleições autárquicas. O MPLA tem pânico daquilo que pode vir a ser a transferência do poder vertical para o horizontal.

As autárquicas podiam ser a primeira experiência de partilha de poder?

Toda a gente tem a certeza disso, a começar pelo partido de regime que tem um medo total porque isso significa entregar poderes às comunidades e partilhá-los.

Sendo que o poder é a única forma de acesso à riqueza.

Mas em Angola é mais grave porque pode atingir outras circunstâncias de risco. A negação da segurança. As fações particularmente jovens que exprimiram a sua contestação ao poder são atacadas de forma frontal pelo Estado. E algumas, por incapacidade de defesa, têm de procurar proteção fora de Angola. Isto é impensável. Não é que nos faltem capacidades internas para vencer este desafio. Sou dos que ainda assim tem uma leitura otimista. Sinto que uma boa governação trará de imediato um outro ânimo. O país hoje esta desencantado. Uma governação partilhada mudaria de imediato a situação.

A UNITA está disponível para partilhar poder com o MPLA?

Nós hoje temos quatro componentes no grupo parlamentar da UNITA. Isto é uma demonstração de pluralidade nunca vista. Sempre estive disponível para caminharmos juntos para a construção da Angola que todos esperam. Estamos prontos para isso. Quem está do lado de lá ainda não está maduro para trilhar este caminho. Qual é a dificuldade de alinharmos opções estratégicas sobre a educação, saúde, modelos de desenvolvimento rural. Eu não tenho.

Aconselharia um investidor estrangeiro, neste momento, a apostar em Angola?

Não posso dizer que não porque me chamariam antipatriota. Agora há uma coisa que é indiscutível, os investidores não se sentem seguros pela forma como se comportam os sistemas bancário e fiscal. Portanto, se queremos fazer de uma economia um elemento de sucesso temos de criar uma sociedade estável, segura, desenvolvida, inclusiva, com acesso a serviços que não existem. E estes fatores limitam o investimento. Há muita gente que acaba por investir porque o Governo retira algumas das obrigações que são normais e isso também prejudica a vários níveis porque não há um desenvolvimento universal com leis iguais para todos. Todos os senhores do poder são milionários e perderam sensibilidade. Eu sou conselheiro da República e, enquanto tal, conselheiro do Presidente da República e já lhe disse: nunca vou baixar os braços para tentar trazê-lo às causas comuns nacionais. Não é fácil, mas não é impossível.

O fato de Isabel dos Santos e Tchizé dos Santos terem apoiado a UNITA foi uma faca de dois gumes?

O risco existiu. Indiscutivelmente. Enquanto candidato, mantive sempre um posicionamento calmo. Em Angola temos mesmo de saber fazer opções. Pragmáticas. Nunca tive problemas em assumir durante a pré-campanha eleitoral uma posição claríssima, contrária à oficial, de perseguir uns e proteger outros. Também assumi de forma clara que a solução para Angola não é agarrar nos santistas e metê-los na cadeia porque na verdade o Governo atual é constituído pelo mesmo tipo de pessoas que roubaram o erário público. Sem exceção. Não faz sentido vitimizar-se uma parte para se passar uma esponja sobre outra. Há pessoas, bastante expostas na sociedade, com processos terminados de julgamento e provas para condenação, que foram ilibados à última da hora porque tinham informação estratégica bastante para desacreditar o poder do MPLA. O poder judicial atualmente não existe, é completamente subserviente do poder político. Mesmo neste quadro complexo entendemos que é possível construir um futuro que traga outras soluções mais de acordo com a expectativa geral, com mais tempo e melhor estruturadas, do que desafiar uma revolução de rua.

Após as eleições mais disputadas de sempre e relativamente às quais a UNITA continua a reclamar vitória, sente alguma diferença no comportamento do Governo de João Lourenço e do MPLA?

Nós fizemos o desafio para que houvesse mudança efetiva, indo ao encontro daquilo que foram as promessas eleitorais do próprio MPLA e a possibilidade, que achei possível, de podermos encontrar sintonia em alguns pontos estratégicos. Quando fui ao Presidente da República levava exclusivamente essa intenção, a de saber que Angola podíamos construir juntos. Do outro lado indisponibilidade total. E a governação, nos últimos tempos está igual ou pior do que a anterior. Contratos simplificados, violação dos direitos, de forma muito grave e repetida. E não se vislumbra a hipótese de realização das eleições autárquicas.

Não acredita que se realizem eleições autárquicas no próximo ano?

O MPLA não tem um programa de governação de Angola. Tem um programa que apresenta, mas não respeita e os seus atos são apenas para se manter no poder. Não privilegia a realização da sociedade. As eleições autárquicas não vão sair com aquele partido, em nenhuma circunstância. De tal forma que de 160 municípios estão agora a propor 581 municípios só para impedir a sua realização, Uma parvoíce completa, uma idiotice. Se com 160 não conseguem encontrar condições para realizar eleições como é que as vão encontrar em 581 municípios?

O Governo está pior do que antes das eleições?

No que diz respeito às liberdades e aos direitos humanos é um escândalo. Logo que as eleições terminaram fomos alvo de uma campanha de ameaças, em casa, nos carros. E existiram agressões físicas a senhoras com bisturis e estiletes, pessoas que hoje estão fora de Angola. Quando uma eleição ocorre e o partido que ganha não festeja porque a população não o permitiu e depois ainda agride a sociedade, estes cenários não indiciam uma pluralidade em termos de sociedade.

Acredita que a comunidade internacional podia ter agido de outra maneira em relação às eleições?

É discutível, mas eu não posso deixar de dizer que sinto que a comunidade internacional entende bem o que se passou nas eleições. E o que se passou foi que o MPLA não ganhou. Entretanto, no âmbito da materialização dos interesses, acabam por deixar andar e ir silenciando. Mas penso que qualquer coisa mudou. A leitura que tenho é de que esta comunidade acha que a transição tem mesmo de se fazer.

É o último ciclo do poder do MPLA?

Sinto pelos discursos das embaixadas, e não só, que foi demais. É isto que sinto. E sinto apoiantes históricos do MPLA com discursos realistas de que o seu partido perdeu. Encontro regularmente dirigentes do MPLA que com maturidade reconhecem que perderam e que não podem continuar a assaltar os poderes. Nós, UNITA, não tivemos muito tempo. Tivemos apenas dois anos, com um congresso anulado e quando realizámos a sua repetição faltavam apenas cinco meses para a campanha começar. Quando o Tribunal Constitucional reconheceu a minha liderança faltavam só dois. Foram problemas criados de propósito para impedir o desenvolvimento de uma dinâmica de vitória. Face a tudo isto fizemos uma excecional campanha reconhecida por toda a gente. Uma campanha bonita. Fugimos da violência que permanentemente nos foi colocada debaixo dos pés, fizemos um discurso de inclusão muito forte. Não posso deixar de reconhecer que vi, por parte de algumas áreas de poder, muito apoio.

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