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Resposta à seca no sul do país falhou porque ignorou as comunidades

“A resposta à seca está inserida num padrão de governação que não dá muito espaço a entender e a acomodar os problemas, as necessidades e as visões das comunidades rurais. Também por causa da estrutura muito centralizada e hierarquizada da política em Angola, em que a maior parte das decisões saem do palácio presidencial” em Luanda, disse à Lusa o antropólogo Ruy Blanes, da Universidade de Gotemburgo, que liderou o estudo.

Os investigadores analisaram a resposta das autoridades angolanas à seca no sul do país desde 2019, quando as províncias do sul, nomeadamente Namibe, Cunene, Huíla, estiveram à beira de uma crise humanitária sem precedentes após quase uma década de seca.

Nessa altura, as Nações Unidas disponibilizaram a Angola 6,4 milhões de dólares para ajudar o Governo a fazer face à crise de seca no sul do país, que segundo as suas estimativas afectava então 2,3 milhões de pessoas.

Três anos depois, os investigadores concluem que, “apesar do arrefecimento da atenção dos media sobre o assunto, a situação não mudou substancialmente”.

“Houve uma mobilização muito grande, mas não houve necessariamente uma sistematização dessa mobilização. A conclusão é que houve muitos programas, muitos projectos redundantes, muita falta de comunicação entre as diferentes entidades. (…) No fundo, a abordagem tem sido uma abordagem para remediar, não tanto para resolver o problema”, afirmou.

Segundo as conclusões do estudo, isso deve-se em parte ao facto de as medidas tomadas pelo Governo terem sido tomadas sem o apoio e sem aproveitar os conhecimentos das comunidades locais.

“Muitas vezes perde-se muita informação, muito diálogo e, enfim, quando as políticas e as decisões tomadas em Luanda chegam aos locais, (…) as populações locais ou não entendem ou não concordam”, explicou Blanes.

O cientista exemplificou que o forte investimento do Governo em projectos agroindustriais, na tentativa de reduzir as importações de bens essenciais, está a ser feito à custa da ocupação de terras que eram usadas pelas comunidades rurais, interrompendo percursos usados por exemplo pelas comunidades transumantes, que caminham com o gado em busca de pasto e água.

O investigador espanhol acrescentou que o Sistema de Transferência das Águas do rio Cunene, um investimento estatal de 117 milhões de euros para combater a seca no sul de Angola inaugurado em Abril pelo Presidente João Lourenço, “vai ajudar, mas só parcialmente”, uma vez que só vai beneficiar algumas comunidades.

“Há outras, nós visitámos algumas na província, que não serão abrangidas por este processo e que estão igualmente necessitadas de acesso à água”, sublinhou.

Os cientistas defendem ainda que, além de investirem na construção desse sistema, que transfere água do rio Cunene e visa beneficiar 250 mil pessoas, as autoridades deveriam aproveitar e renovar outras infraestruturas já existentes, algumas desde o tempo colonial, em torno das quais muitas comunidades já se tinham organizado.

“O Governo angolano, em vez de investir também numa renovação, na manutenção da infraestrutura existente, prefere apostar em projectos de construção nova, porque a construção em si também é uma fonte de rendimento muito importante, é um negócio”, lamentou.

Autor de um artigo publicado esta semana com o título “Como não responder à seca: Lições de Angola”, Blanes acredita que a resposta deveria passar por “dar mais autonomia às autoridades locais, que têm conhecimento do terreno, o que permite tomar decisões mais informadas”.

“Dentro deste grande panorama que é a seca no sul de Angola, há realidades, do ponto de vista social, económico e ambiental, muito diferentes entre as diferentes comunidades. Entre Namibe, Huíla e Cunene. Então, uma solução que serve para o Cunene não é uma solução que seja necessariamente para o Namibe, onde nunca chove”, exemplificou.

O investigador admitiu não estar optimista em relação à situação no sul de Angola, argumentando que o problema está relacionado com a falta de um sistema descentralizado no país.

“Enquanto não houver um sistema autárquico real e sustentado, não vai ser possível resolver problemas, porque todas as decisões vão ser tomadas de forma centralizada em função de interesses políticos na Cidade Alta em Luanda”.

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