Zola Bambi, responsável pelos dois processos judiciais interpostos pela família do jovem, de natureza cível e criminal, é também presidente do Observatório para a Coesão Social e Justiça, organização que se dedica à defesa dos direitos humanos, e diz que “não é normal a forma como a justiça está a funcionar”.
O processo-crime, sublinhou, em entrevista à agência Lusa, “é o que mais preocupa” e “compromete o sistema de justiça em Angola”.
Para Zola Bambi, há “falta de vontade” das instituições, nomeadamente da Procuradoria-Geral da República, que tem como missão fundamental a salvaguarda dos interesses dos cidadãos e a fiscalização da legalidade, bem como do Serviço de Investigação Criminal (SIC), que deve levar a cabo a instrução do processo.
“Estas duas instituições nada ou pouco estão a fazer para que haja um andamento normal”, criticou, sublinhando que a morte do jovem “foi causada, como todos sabem, por um excesso das forças de defesa e segurança”.
Inocêncio de Matos morreu em 11 de Novembro de 2020, quando participava numa manifestação e foi atingido, alegadamente por uma bala, apesar de a versão oficial negar o uso de munições reais pela polícia e apontar para um ferimento devido a “objecto contundente”.
Zola Bambi lembrou que os advogados requereram uma segunda autópsia independente ao corpo (por haver dúvidas sobre o primeiro exame, em que não foi permitida a entrada de um fotógrafo) para ter a certeza de que teriam sido elementos da Polícia Nacional a causar a morte.
“Sem entrar em detalhes, havia um orifício no crânio e podemos imaginar por que elemento terá sido causado”, disse, pedindo que o sistema judicial “faça o trabalho como deve ser” para chegar à verdade dos acontecimentos e encontrar os responsáveis.
“O número reduzido dos que participaram dá-nos um círculo de suspeitos. A polícia fez uma investigação, sabe muito bem que, entre estes nomes, está a pessoa que fez este acto. Acreditamos que a polícia sabe. A pergunta é se estão dispostos a entregar a pessoa que cometeu [o crime]”, disse o advogado à Lusa.
Salientou ainda que em causa não está só o autor material do crime, mas também moral, ou seja, a direcção da polícia que “actuou de forma indevida e desproporcional, desrespeitando o direito constitucional da manifestação quando não havia actos de violência ou perigos para a polícia”.
O advogado apontou também várias vicissitudes judiciais, desde mudanças nos números do processo, que “já esteve em vários sítios”, à atribuição de novos instrutores, para “dificultar ou impedir o acompanhamento do processo”.
“Há falta de vontade que se esclareça a morte”, insistiu, acrescentando que já foram feitas sete reclamações.
“O processo não saiu até agora da fase de instrução preparatória que é a primeira de um processo, dois anos depois, quando já seria altura de estarmos na fase judicial”, indignou-se.
Neste período, foram chamadas algumas testemunhas oculares e familiares, mas “por insistência dos advogados”, disse Zola Bâmbi, realçando a importância de ouvir o corpo clínico que declarou ao canal publico de televisão angolano TPA que o jovem chegou vivo e foi operado, tendo morrido depois desta intervenção, contrariando a versão de outros manifestantes, segundo os quais Inocêncio teve morte imediata.
“É contrário ao que vimos, aos sinais do corpo que encontrámos na morgue, e temos pessoas dispostas a declarar isto”, afirmou o advogado, denunciando que foram feitas “montagens” para simular que o jovem estava vivo.
“Houve uma morte” e é necessário um esclarecimento, reforçou Zola Bambi, acrescentando que “é uma obrigação dos órgãos de justiça esclarecer o acontecimento” e que “está em causa a imagem da justiça” em Angola.
“Se a intenção é arquivar por inércia, a família e nós, que estamos constituídos como assistentes, levaremos o processo até que haja julgamento. É o que espera tanto a família como a sociedade”, sublinhou o advogado e defensor dos Direitos Humanos.
Apesar de não acreditar no sistema de justiça angolano, “dependente de um partido político e de um regime que não quer a transparência”, Zola Bambi mostra-se confiante de que será feita justiça e cumpridas as leis do país, pedindo que sejam responsabilizados os autores do crime e o Estado angolano, que não protegeu a vida de Inocêncio, e que a família seja indemnizada pela sua perda.
A agência Lusa remeteu questões à Procuradoria-Geral da República sobre as diligências efectuadas e as causas da demora do processo, mas não recebeu qualquer resposta.