Lisboa parece ter-se esquecido de que há anos validou os negócios de Isabel dos Santos, apesar das críticas de que era alvo não só por parte da oposição e sociedade civil angolana, mas também de parceiros europeus.
Refira-se que Isabel dos Santos, a empresária angolana que mais tem sofrido desde a ascensão de João Lourenço à Presidência da República, começou a investir forte em Portugal, nos últimos anos de governação de seu pai, José Eduardo dos Santos.
Face à natureza do regime implementado por José Eduardo dos Santos, que foi marcado por nepotismo, corrupção, tráfico de influência e outros males conexos, os investimentos de Isabel dos Santos em Portugal passaram a ser questionados. Nalgumas vezes, a oposição angolana e críticos apartidários manifestavam desagrado e estupefacção pelo facto de Portugal, um país ocidental, “cumpridor” das regras de transparência associado ao Estado de Direito e Democrático alegadamente permitir que Isabel dos Santos investisse em solo luso sem a devida observância da origem dos investimentos.
Além de criticado por partidos, jornalistas e pela sociedade civil angolana, Portugal também passou a ser questionado por Bruxelas. Por exemplo, a empresária Isabel dos Santos comprou mais de 60% da Efacec, uma das maiores empresas portuguesas, em Junho de 2015, depois de um processo de avaliação e chancela da Autoridade da Concorrência local.
No entanto, a operação não foi bem recebida pela Comissão Europeia. O referido organismo da União Europeia terá visto o que propositadamente Portugal poderá ter deixado passar. No entender da Comissão, a compra da Efacec por parte de Isabel dos Santos terá passado ao lado da legislação europeia de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.
Em resposta, o regulador português declarou no final de Dezembro de 2015, numa carta enviada a Bruxelas, “que tomou medidas de supervisão que entendeu convenientes para obter informações detalhadas sobre se os bancos que financiaram a operação cumpriram com as medidas preventivas prescritas no quadro da prevenção do branqueamento de capitais”, acrescentando que “procedeu à verificação da origem dos fundos próprios envolvidos nessa aquisição e de que o seu financiamento foi aprovado com base numa análise sólida e procedimentos de risco adequados”.
De lembrar que não foi a primeira vez que as autoridades portuguesas foram questionadas sobre investimentos de Isabel dos Santos, entretanto, as respostas sempre foram quase semelhantes: “… verificamos e… foi aprovado com base numa análise sólida e procedimentos de risco adequados”. Numa explicação simplificada, Portugal certificou os investimentos da primogénita de Eduardo dos Santos realizados naquele país.
Mas, chegados em 2018/2020, face aos processos movidos pela justiça angolana, que à semelhança do passado, dá claros indícios de estar ao serviço do novo Presidência da República, o Estado português já entende que os investimentos de Isabel dos Santos foram constituídos sob fortes “nuvens cinzentas” e aproveita ficar com parte dos bens da empresária angolana.
A par do aproveitamento, o Estado português segue as cegas as solicitações das autoridades angolanas, dando nalgumas vezes a sensação de que já nem se importa em verificar se as solicitações contêm argumentos substanciais para a execução requerida.
Nesse âmbito de cooperação, a justiça portuguesa realizou vários arrestos de bens de Isabel dos Santos, tendo em Novembro de 2020, alargado os arrestos para até 5 mil milhões de euros. Tudo a pedido de Angola que reclama uma indemnização de quase 1.150 milhões de dólares, que num rompante ascendeu para 5 mil milhões de dólares. As explicações sobre a dilatação dessa dívida não são até aqui convincentes.
Portugal igual a si mesmo
Tendo em conta os factos históricos, não se pode esperar outra coisa do governo de Portugal, se não a indiferença em relação ao sofrimento dos angolanos, desde que os portugueses estejam directos ou indirectamente a ser beneficiados pela ignorância ou incapacidade governativa da parte do Executivo angolano.
No tempo em que José Eduardo dos Santos era o “Dono disso Tudo”, os sucessivos governos de Portugal negavam, mesmo que fossem apenas sugeridos a emitir uma nota de indignação contra José Eduardo dos Santos por conta da corrupção, desnível entre as classes ou mesmo por conta de massacres ocorridos no Monte Sumi, por exemplo, ou noutra região.
Ao que se vê, Portugal continua igual a si mesmo. Apoia as iniciativas do presidente João Lourenço mesmo que elas estejam, no limite, a prejudicar os angolanos que auferem hoje um salário inferior a 50 dólares, e obrigados a comprar um saco de arroz de 25 kg a preços “estrondosos”.
Além da crise económica e financeira agora agudizada pela pandemia da covid-19, as opções da Administração Lourenço realizadas no âmbito do combate à corrupção estão, em parte, a contribuir para o desemprego e o aumento da pobreza.
Face aos arrestos e que têm reduzido a sua capacidade financeira, a empresária Isabel dos Santos viu-se forçada a suspender os investimentos para abertura de uma fábrica de vidros em Luanda, após ter realizado um investimento de quase 100 milhões de dólares.
Enquanto Isabel dos Santos se torna mais pobre e incapaz de criar empregos, outros empresários tudo fazem para esconder a sua capacidade financeira, face o medo da nova justiça.
Na verdade, não há dúvida de que o combate à corrupção deve continuar. E não há igualmente dúvidas de que o modelo seguido para o combate à corrupção deve ser alterado.