É cada vez mais evidente que a iniciativa do Presidente da República, que traz a reboque o partido o poder, é uma forma de anular o espaço do discurso político da oposição. O que é absolutamente compreensível em ano pré-eleitoral. No entanto, seria avisado que o tom, e uma vez que se procura o consenso em torno das eleições autárquicas, fosse outro, mas, e mais uma vez, o MPLA, sem se conter, dispara para a frente mas o tiro pode a sair pela culatra.
Luísa Damião começou o seu discurso por envolver a OMA e a JMPLA “nos grandes desafios que temos pela frente”.
Passou depois para o “novo tema”, que é “a revisão pontual da Constituição, para o qual devemos estar devidamente preparados”, segue-se uma das ideias chaves da mensagem que se pretende com a “revisão pontual da Constituição”, que é “preservar a estabilidade social e a consolidação dos valores fundamentais do nosso Estado democrático de direito”.
Mas o caminho não será fácil, e a vice-presidente do MPLA sabe isso mesmo, daí que tenha acrescentado: “Temos de estar todos preparados para o combate político e desconstruir os inúmeros textos encomendados e agendas inconfessas que visam a todo o custo manchar a imagem do MPLA e a todo o custo frenar as reformas em curso no país”, agora aí está a líder do partido dos camaradas a dizer-nos que se há coisa que o “eme” não tem é agendas inconfessas, quanto aos textos encomendados, ficamos na dúvida se Luísa Damião se refere ao partido que dirige ou a outras entidades.
Lembrou que o “camarada Presidente João Lourenço” tem o mandato do povo – mas não é de todo o povo, nem sequer de todos aqueles que votam no MPLA, é só “dos angolanos honestos”, só esses é que estão com o “camarada Presidente João Lourenço”, ou seja, há uma boa parte do partido que, certamente, não estará com o “camarada Presidente João Lourenço”. Não estávamos na sala, por isso, não temos a certeza se a vice-presidente do partido terá dito isto sem revelar alguma perturbação – a menos que não tenha medido convenientemente o alcance das suas palavras.
Talvez seja isso mesmo, porque logo a seguir diz: “Somos um Partido forte e imbatível. E temos a nosso favor a inteligência dos nossos militantes, a força e vitalidade das mulheres e o talento da juventude. Por isso, nem chamando todos os “Vizinhos” conseguirão derrotar o MPLA”.
E o discurso prossegue num tom empolgado de quem está em guerra com o mundo, apesar de “imbatível”. “Engana-se quem não tem a humildade e o respeito de lidar com o MPLA e que fica no muro a lançar fogos de artifícios que não queimam e nem arrefecem.”
E fica o aviso: “E quando assustarem? já está!”
Mas, e não deixou de afirmar a vice-presidente do MPLA, que “devemos também direccionar as nossas acções junto dos cidadãos e da sociedade em geral. Devemos promover o diálogo, a participação dos cidadãos nos diversos domínios da vida política, económica, social e cultural, reforçando a democracia de proximidade e a cultura de uma cidadania participativa”, sendo que os termos do conceito de cidadania participativa também são questionáveis.
Por fim, não deixa de sublinhar que “é imperioso continuarmos a divulgar o Código de Ética Partidária que estabelece os princípios e as normas de conduta ética do militante do MPLA nas suas relações com o Partido, com o Estado, e com a sociedade”.
Convenhamos, e com a maioria dos processos por corrupção a envolveram membros do MPLA, que o Código de Ética tem tido um razoável deficit de interiorização pelos membros do partido “das pessoas honestas”.