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O Twitter, a agressividade e a trivialização do discurso on-line – O que o Sol Nascente tem a dizer Sobre:

O que para mim saltou a vista é o discurso sobre a liberdade, enfocada em três potenciais medidas: realização de alterações na verificação de perfis, abertura do algoritmo da plataforma e atenuação da moderação de conteúdos. Mas este discurso, a meu ver, deixou de lado a crescente agressividade e trivialização do discurso on-line que se regista nas diferentes redes sociais, com destaque para o próprio Twitter.

Se por um lado a Federação Internacional de Jornalistas diz que a compra do Twitter ameaça a liberdade de imprensa, “o pluralismo, a liberdade de imprensa e cria um terreno favorável à desinformação”, por outro lado, Elon Musk, conhecido por criticar as políticas de moderação desta rede social e pedir com regularidade que a mesma fosse menos regulamentada, diz que quer vê-la atingir seu potencial extraordinário, com mais liberdade de expressão e menos moderação.

Este caso do Twitter pode remeter-nos aos recentes acontecimentos políticos mundiais como a vitória de Trump nos Estados Unidos, em 2016, o resultado do Brexit no Reino Unido, no mesmo ano, e a desconfiguração da ideia de democracia real, em oposição à democracia liberal moribunda que fez soprar o que Castells chamou de “ventos malignos no planeta azul”. Este autor alertou sobre a existência de uma crise ainda mais profunda, mãe de todas as outras: a ruptura da relação entre governantes e governados, a desconfiança nas instituições e a não legitimidade da representação política. O que de certo modo, pode levantar a preocupação sobre o futuro da democracia, na lógica questionada por Przeworski “o que devemos procurar se tememos que a democracia esteja passando por uma crise?”

Esta ruptura leva-me a encarar os discursos on-line cheios de agressividade e trivialização que acompanhamos a medida que se aproxima o Agosto, mês de Eleições Gerais em Angola. As discussões que figuras eclesiásticas, fazedores de opinião e anónimos da nossa praça vão tendo nas redes sociais podem nos remeter à uma potencial crise latente que impossibilita a convivência humana e alimenta o medo. Este tipo de crise anunciada por Castells, vem reforçada na paranoia antigoverno que se vem registando no mundo on-line e permitiu a agressividade e a trivialização do discurso nesta via como defende Lanier.

Em Angola, o que vamos assistindo neste sprint para as eleições de Agosto é um cenário que pode ser caracterizado como aquilo a que Lacan nomeou “paranoia dirigida”, tratando a agressividade – como registo imaginário e simbólico – a partir do modelo de identificação narcisista, fundamentada na estrutura paranoica do eu.

Portanto, algum cuidado me parece ser necessário, uma vez que a agressividade e a trivialização do discurso on-line podem colocar em cheque a promessa de uma Internet inclusiva, que catalisa o discurso e o debate para a criação de uma democracia mais participativa que parece ter sido fortemente comprometida pela evidência de comportamentos agressivos, insultuosos e racistas dos cibernautas.

Dentro deste panorama dantesco de uma rede corrompida pela participação tóxica, os comentários de redes sociais como o Twitter e o Facebook aparecem como um dos exemplos mais visíveis do enviesamento dos espaços de participação.

Embora, a reação agressiva seja inerente à subjectividade humana existindo desde os primórdios da humanidade e que na actualidade tenha invadido as nossas vidas é preciso enfrentá-la de forma cautelosa já que nos deparamos com ela sob várias formas: desde pequenas ofensas verbais em redes virtuais até assassinatos brutais na esfera pública. Todos os dias, são publicados milhares de comentários on-line, no entanto, pouco se sabe sobre o discurso produzido excetuando a sua incompatibilidade com os princípios do discurso crítico racional propostos por Habermas.

Precisa-se, neste sentido, não só vencer os medos sobre as liberdades que podem ser coartadas ou reforçadas com a gestão do Elon Musk no Twiter, mas prestar atenção as mudanças sub-reptícias que vão ocorrendo em nossas sociedades, com particular realce para o discurso de ódio e da agitação que, podem potenciar uma crise da democracia e resistir-se à elas, entendendo que a resistência é mais eficaz quando acontece no momento certo e bem efectivada.

Eliseu Chipaco

Presidente do ISPSN

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