Cultura

O ADVENTO DA “IDADE DE OURO” DA DEMOCRACIA EM ANGOLA: AVANÇOS E RETROCESSOS – Octaviano Francisco

Certo pensador, certa vez, disse: “cada época sonha a seguinte”. A ser isto verdade, que época/momento o contexto actual da nossa democracia está a sonhar? A nossa tese é que sim e que é necessário tomar a peito aquilo que está a nascer sob pena de vermos esse sonho se transformar em pesadelo.

No pano de fundo da presente tese, cala-se questão a seguinte questão: o contexto actual da nossa democracia evidencia avanços e retrocessos?

Responder a essa questão remete-nos à necessidade de um recuo histórico.

A democracia em Angola surge num momento histórico em que o sistema de monopartidarismo é deixado para trás em detrimento deste. Tal transição data de 1990. Várias são as abordagens que apontam para o facto de que a transição teórica não implicou uma transição de prática (Pestana, 2014). É um facto que ela veio a se afirmar tenuamente. Os direitos fundamentais cediam-se de cima para baixo. A esfera política oprimia o nascimento efectivo da esfera pública, sendo que uma sociedade civil mais dinâmica e proactiva tardava significativamente. Certos direitos fundamentais ao exercício da cidadania limitavam-se pouco exercitados, quer por motivos políticos quer por motivos culturais, isto é, se por um lado tais liberdades eram coarctadas; por outro lado, havia uma “cultura de cidadania”.

Até bem perto do pico da segunda república (sem queremos data-la taxativamente), o exercício da cidadania tomou proporções sem precedentes. Actualmente, o nível de liberdade de exercício da cidadania tomou uma “dimensão expancional”, ou seja, vai permitindo que até o cidadão mais baixo da hierarquia social participe na vida política (não só pela via do voto, como acontecia no contexto anterior, mas também pelas novas formas de participação política). Esse contexto tem sido permitido também pela massificação das redes sociais bem como da mídia (rádio e televisão). Esses três espaços têm sido testemunhas desse período que eu chamarei aqui de “boom do exercício cidadania”.

Hoje por hoje, nesses espaços, pode-se encontrar um cidadão comum avaliando a governação; uns com críticas mais duras. São indicadores de que “as liberdades” tornaram-se mais livres. Faço prova disso três factos: O primeiro é de nível internacional, o segundo institucional é o terceiro de nível das práticas sociais (digitais) dos indivíduos (cidadãos).

O primeiro é o facto de que Angola, em dois anos (de 2017 a 2019), subiu 15 lugares no ranking da liberdade de imprensa. Um facto que tem sido muito comentado na mídia.

O segundo tem que ver com o “tom de verdade e frontalidade” com que o analista da Rádio Nacional, Victor Silva, analisava os factos da semana. Aquela contundência não era vista em um pleno meio de comunicação social público.

O terceiro diz respeito aos resultados de uma pesquisa empírica que fiz na rede social Facebook. Por meio desta percebi que os internautas dessa rede social (de 2017 para cá) falam de assuntos políticos e criticam políticas públicas bem como acções de figuras políticas mais do que antes desse período.

isto implica que, nesse espaço, a liberdade política proliferou-se e a participação política por meio desse espaço tem sido uma realidade.

Por parte do governo, há cada vez mais, uma maior integração da sociedade civil na tomada de decisões. Não esse período de “boom do exercício da cidadania” o advento de uma “idade de ouro” da nossa tão almejada democracia? Só o futuro dirá. Mas é facto o progresso, o caminho andado. Não sabemos ainda, ao certo, o momento que poderemos considerar ser a “idade de ouro” da nossa democracia, mas que é um facto que caminhamos para lá isso é um sonho, uma certeza. Em contrapartida, em tudo isso, precisamos tomar a peito a responsabilidade de tornarmos esse sonho realidade, sob pena de um conjunto de práticas antidemocráticas venham transformar esse “sonho angolano” em um pesadelo. A falta de ética na discussão política e pública, a gestão danosa, as renascentes tendências de coação da liberdade de imprensa; Faço prova desse último facto os ataques, pela Forças de Segurança do Estado (a se provar a veracidade), aos jornalistas da Rádio Eclésia, numa cobertura à evasão por cidadãos das casas do Zango 5, em Luanda (Fonte: Rádio Eclésia).

Esses factos são evidências de retrocessos; de adiamento da tão almejada “idade de ouro” da nossa democracia.

Portanto, todos os actores sociais e políticos são chamados à responsabilidade de preservar o que em termos de exercício de cidadania já conquistamos e a de continuar engendrar acções no sentido de continuarmos, nela, a dar passos largos, já que a actual época da nossa democracia tem sonhado a sua sucessora.

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