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No Sumbe, João Lourenço critica a oposição por não prestar homenagem ao antigo presidente. Em Barcelona, Francisco Furtado irrita-se

João Lourenço, que discursou hoje, 27 de Julho, na cidade do Sumbe, no Cuanza Sul, em mais uma acção de campanha, realçou a presença na Praça da República, em Luanda, e em toda as províncias, nos sete dias de luto nacional – que acabaram por ser nove e que fecharam com a homenagem da primeira-dama da República, Ana Dias Lourenço – os “angolanos de uma forma geral, os partidos políticos, a sociedade civil, até estrangeiros, os diplomatas”, foram “de forma ordeira” prestar homenagem a José Eduardo dos Santos.

Dito isto, marcou a ausência do maior partido da oposição. “Vocês viram alguns desses que foi salvo por José Eduardo do Santos a ir prestar homenagem a quem os salvou? Eu não vi ninguém. Então, que tipo de gente é essa? Não foram prestar homenagem ao salvador deles”, disse João Lourenço.

Adalberto Costa Júnior, recorde-se, disse aos jornalistas que não iria homenagem o antigo presidente a um local onde a figura do actual presidente estava tão em destaque. E o candidato a vice-presidente nas listas da UNITA, Abel Chivukuvuku, falou mesmo em hipocrisia quando se referiu à forma como João Lourenço e o MPLA estão a lidar com a morte e com o legado do antigo presidente José Eduardo dos Santos, depois de o terem maltratado, a ele e à família, nos últimos anos, e até de lhe terem atribuído a designação de marimbondo.

Entretanto, em Barcelona, Espanha, permanece o ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República, que garantiu, na semana passada, que não iria sair de Espanha sem o corpo do antigo presidente José Eduardo dos Santos, presença que paira sob a campanha eleitoral, em Angola.

Mas da capital da Catalunha não há notícia de avanços substantivos. Os restos mortais de José Eduardo dos Santos continuam a ser disputados pelas duas alas da família, sendo que uma das alas é claramente apoiada pelo Governo, e é com essa ala que está o ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República, o general Francisco Furtado, aguardando que a Justiça espanhola, a quem o caso está entregue, tome uma decisão.

E é também a partir de Espanha que Tchizé dos Santos acusa João Lourenço de querer fazer um aproveitamento político da morte do pai. No que depender dela, José Eduardo dos Santos não será enterrado em Angola enquanto João Lourenço for Presidente da República, porque, e tem dito inúmeras vezes, o pai estava desiludido com o actual presidente, devido aos processos judiciais contra alguns dos seus filhos e colaboradores próximos, e que preferia ver o líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, no poder.

Temos, então, que todo este processo da morte do antigo presidente não tem estado a correr bem ao actual Presidente e ao MPLA, por isso, e para muitos, terão sido inopinadas as palavras de acusação do Presidente João Lourenço à UNITA, no Cuanza Sul.

Francamente inopinadas têm sido, também, em Barcelona, as declarações do ministro de Estado e chefe da Casa Militar. Num tom mais moderado disse, na semana passada, que “toda a Nação angolana quer a presença do seu antigo líder no país para lhe render a merecida homenagem”, para acrescentar “que não haverá outro desfecho que não seja o regresso do corpo para Luanda”.

Mas enquanto aguarda o desfecho, e estamos na terceira semana após a morte de José Eduardo dos Santos, a 8 de Julho, o general Francisco Furtado tem reagido tempestivamente às críticas, nomeadamente de Frei Joaquim Hangalo, que se encontra no Vaticano. O sacerdote disse o que outros têm dito, como, por exemplo, Abel Chivukuvuku, que chamam à atenção para a falta de coerência das figuras do regime que até há bem pouco tempo ignoravam ou maltratavam o antigo presidente e que hoje se desdobram em homenagens e evocações, que têm algo de culpa e embaraço.

“Em relação à figura de José Eduardo dos Santos, o MPLA cometeu erros de palmatória como partido. Na pauta do combate à corrupção o Clave Maior (que indica a posição na pauta) era José Eduardo dos Santos e as filhas. É pouco sério que agora o MPLA queira pautar a sua campanha tendo como Clave JES. É muita incoerência e pouca seriedade”, escreveu, o Frei Hangalo, a partir do Vaticano, onde se encontra em formação sacerdotal, podemos ler num artigo do Clube K.

E aproveitando a analogia do sacerdote, o ministro de Estado subiu o tom e escreveu: “Pois é! Ficam a escrever mensagens desde o Reino Unido, Portugal, França, Itália, Alemanha e de outros países europeus a incentivarem os vossos seguidores em Angola a comprarem punhais, canivetes, fazerem molotovs incendiários para fazerem arruaças, queimarem carros e propriedades de pacatos cidadãos indefesos a pretexto de falsa alternância”.

“Entendemos muito bem qual é o vosso problema e sabemos qual é a vossa estratégia de transferir a propalada Primavera árabe para Angola antes, durante e depois da divulgação dos resultados das eleições”, escreveu, ainda, Francisco Furtado, e a seguir o aviso: “Vocês não farão ‘somalização’ de Angola, nunca, conforme tentaram em 1992”. E continuou: “Não brinquem com o Estado nem com a força de um povo que sabe o que são os horrores da guerra, porque vão mesmo levar no focinho”, assim, de forma inequívoca: “vão mesmo levar no focinho”.

Indignada com o que leu, a defensora dos direitos humanos, Laura Macedo, escreveu, em resposta num grupo do Whatsapp também usado por Franciso Furtado para os seus comentários, “os únicos que falam em guerra é a malta do MPLA, mais nenhum partido está nessa onda. Enquanto governo o MPLA é quem bate, prende e mata”.

Nos primeiros dias da campanha eleitoral, não se pode dizer que o tom MPLA e do seu líder seja de apaziguamento, há, claramente, o propósito de evocar todos os medos e fantasmas que a UNITA suscita e a ideia, muito vincada hoje no Sumbe de que há só um partido, o único capaz de governar Angola, e que esse partido é o MPLA.

Há sérias possibilidade de o discurso funcionar para dentro, para fora nem tanto, basta percorrer as redes sociais, tanto o Facebook ou Twitter, para se ter a percepção que o regime é tido como autocrático e repressivo.

Além do mais, e como escrevia o jornalista José Gama, num post no Facebook, a discurso muito polarizado de João Lourenço é contraproducente e pode afunilar ainda mais o espectro eleitoral do MPLA, arriscando-se João Lourenço o resultado mais baixo do MPLA em eleições, o que seria sempre uma derrota, mesmo que o MPLA ganhe.

A campanha ainda só agora começou, mas pode dizer-se que para o MPLA não começou bem.

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