Primeiro um comunicado, nunca desmentido, do Supremo Tribunal, de 28 de Fevereiro, que anunciava que a abertura do ano judicial, prevista para o dia 1 de Março, tinha sido adiada para uma nova data a anunciar oportunamente. Sendo que não compete ao Supremo Tribunal, mas ao Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) comunicar sobre este assunto.
A cerimónia que deveria ter acontecido no Hotel Intercontinental, em Luanda, sob o lema “Pela Efectivação da Autonomia Administrativa e Financeira para Fortalecer a Eficiência e a Eficácia dos Tribunais”, tinha, no programa preliminar, que o Presidente da República, João Lourenço, faria o discurso de abertura.
Mas eis que no dia 1 de Março, e em entrevista à RFI, como quem não quer a coisa, como se fosse um acontecimento menor, o Presidente da República diz: “O ano judicial devia arrancar hoje, ou melhor, o ano judicial arrancou hoje, de facto. O que não aconteceu – e porque eu preferi não o fazer – é presidir o acto solene que, regra geral, assinala o arranque do ano judicial (…) Atendendo aos últimos acontecimentos, nomeadamente, num dos tribunais, eu entendi que, enquanto este assunto não ficar resolvido, eu não devia presidir a esta sessão solene de abertura do ano judicial.”
E de facto, o ano judicial arrancou de acordo com a Constituição da República, mas não completamente. A abertura do ano judicial deve acontecer em Março e que deve ser assinalada com uma cerimónia solene em que tomam parte o Presidente da República, o presidente do Tribunal Supremo, o procurador-geral da República e o Bastonário da Ordem dos Advogados, e todas estas entidades se viram privadas desse momento inaugural, sem que tivesse havido grande protesto.
A obscura cerimónia de abertura de ano judicial de 2023 teve razões que são do conhecimento geral, e próprio Presidente da República na mesma entrevista à RFI as assumiu, dizendo que que tinha a ver com que se passava no Tribunal de Contas e no Supremo, embora com amplitudes diferentes. Exalgina Gâmboa já foi afastada, Joel Leonardo nem por isso.
Mas voltemos à entrevista à RFI. O Presidente João Lourenço chutou para canto e com um sorriso a ideia de uma crise institucional no país. Disse: “uma crise institucional no país é muito forte dizer isso. Forte demais.”
No entanto, as suas palavras confirmaram que havia – há – de facto uma crise institucional, a única explicação para que o Presidente da República anulasse o valor formal e simbólico de uma cerimónia que a Constituição consagra.
A esse propósito a Camunda News escreveu logo nessa altura que a atitude no Presidente da República tinha sido, no mínimo, desconcertante.
E os dias passam e as perplexidades aumentam, porque há ainda dois temas na Justiça em aberto, e não são de somenos: o que se passa com o procurador-geral da República, vai ou não vai Hélder Pitta Gróz ser reconduzido ou demitido? E a obscura telenovela do juiz-presidente do Tribunal Supremo, com novos capítulos todos os dias, que final (pouco) final terá?
Segundo o Clube K, Joel Loenardo está a impedir que o secretário-geral do Tribunal Supremo, Altino Kapalakayela, envie para a Procuradoria-Geral da República a deliberação da última reunião plenária dos juízes do Supremo, que acorreu no passado dia 7 de Março, e em que se pede ao Ministério Público que investigue os factos de que juiz-presidente vem a ser publicamente acusado.
O site de notícias diz ainda que a PGR já abriu quatro inquéritos que envolvem acções do juiz conselheiro e presidente do Supremo, e que só está à espera que Joel Leonardo renuncie para que seja constituído arguido, à semelhança do que aconteceu com Exalgina Gambôa.
A relutância do Presidente da República em assumir que há uma crise institucional, mesmo que a confirmando, pode ser a chave para a permanência de Joel Leonardo no cargo, é que, e de uma assentada, substituir as lideranças nos tribunais superiores e na PGR é demais para quem quer passar uma ideia de normalidade e credibilidade nas instituições judiciais do país, sendo que o Presidente da República tem um problema acrescido: é que faça ele o que fizer, e se ele não o fizer nada acontece, tem de ser feito como se nada fizesse. É complicado, nós sabemos.
São anos e anos de dependência, ou seja, de vícios, entre o poder político e o poder judicial, dos quais ninguém se consegue libertar da noite para o dia.