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Não há almoços grátis e menos ainda para os jornalistas

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Eis, na íntegra, o texto publicado no site:

Segunda-feira, 08, o “sistema” usou duas das mais consideradas vozes da Rádio Nacional de Angola e Televisão Pública de Angola para atribuir o “sequestro” dos restos mortais de José Eduardo dos Santos a dois dos seus filhos.

Numa nota de que não identificaram nem o autor e nem a origem, RNA e TPA aludiram a um “caso certamente inédito no mundo“, em que “o cadáver de um Chefe de Estado está sequestrado, aprisionado, congelado devido à insensatez e insensibilidade sem limites de dois dos seus muitos filhos“.

Mas, a nota não se limita a atribuir a dois dos seus filhos o “sequestro” do cadáver do antigo Presidente. Por ela, os angolanos foram também induzidos a concluir que José Eduardo dos Santos foi um incansável procriador. Por isso foi-lhe atribuída a paternidade de “muitos filhos”.

Os restos mortais de José Eduardo dos Santos, falecido a 8 de Julho em Barcelona, estão sob custódia judicial.

Não há conhecimento de que autoridades judiciais ou outras do Reino de Espanha tenham reportado o sequestro do corpo de José Eduardo dos Santos.

Com sólidas instituições judiciais e de segurança, a Espanha não é um Estado poroso como Angola em que roubos de dinheiro público e outros são praticados à luz do dia.

Num “caso certamente inédito no mundo”, e que certamente já figura no “Guiness Book”, em 2003 um Boeing 727-223 foi roubado à luz do dia no aeroporto internacional de Luanda. Até hoje não há pistas do seu paradeiro.

Sempre que quer dar alguma “credibilidade” às suas frequentes histórias da carochinha, o “sistema” recorre aos mais conhecidos rostos das estações radiofónicas e televisivas públicas. Figuras como Ernesto Bartolomeu, Amílcar Xavier e outros são invariavelmente usadas quando o “sistema” alterna, como lhes chama o cartunista Sérgio Piçarra, o jogo baixo com o jogo sujo.

Mas, os jogos baixo e sujo a que alguns dos mais conhecidos rostos do jornalismo se prestam não são uma responsabilidade exclusiva do “sistema”. Há, da parte dos jornalistas, muita predisposição para dar a cara por esses jogos.

Logo após a morte de José Eduardo dos Santos, dois conhecidos jornalistas da TPA e da Zimbo deram o rosto por uma patranha que atribuía ao falecido presidente uma até ali desconhecida primogénita e a supostos comportamentos indecorosos de Isabel dos Santos.

No dia 13 de Julho escrevemos aqui que “nenhum dos dois (jornalistas) é inocente. Ambos entraram no jogo de livre vontade. Nenhum telespectador viu qualquer arma apontada a Amílcar Xavier ou a Fernanda Manuel (…) Os apresentadores da TPA e da Zimbo alinharam na campanha de diabolização de Isabel e de insulto à memória de JES porque sentem-se bem a fazer fretes. É da sua natureza. É assim que muitos construíram as carreiras”.

Um mês depois, reiteramos que nenhum jornalista é acorrentado para entrar nos jogos baixo e sujo do “sistema”.

Em Março de 2021, o jornalista Alexandre Cose apresentava o Telejornal da Televisão Pública de Angola quando, fora do alinhamento das notícias, viu colocada sobre a mesa uma nota em que o falecido militante da UNITA Rui Galhardo da Silva se dizia vítima de tentativa de assassinato de que seria suposto mandante Adalberto Costa Júnior.

Alexandre Cose leu a matéria, mas no dia seguinte comunicou ao Conselho de Administração da empresa que não voltaria a emprestar o seu rosto a fabricações do “sistema”. Sustentou que perante invencionices do “sistema” invocaria a cláusula da consciência.

A partir daquela comunicação ao Conselho de Administração, Alexandre Cose deixou de ser escalado para a apresentação de noticiários.

Sentindo-se indesejado na casa, há pouco menos de três meses Alexandre Cose solicitou licença ilimitada, sem remuneração, e hoje ganha honradamente o seu salário numa instituição em que não tem que dar o rosto a fabricações do “sistema”.

Se exemplos como o de Alexandre Cose se repetirem nas diferentes estações televisivas e radiofónicas públicas, o “sistema” deixará de ter dos jornalistas angolanos a certeza de serem tarefeiros sem dignidade.

Alexandre Cose deu ao jornalismo angolano uma mensagem de esperança. Com a sua decisão, mostrou que nem todos os profissionais se renderam ao “arroz com peixe frito”, de que falou o advogado Sérgio Raimundo.

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