Economia

Escolha dos gestores da Sonangol deve passar por um concurso público internacional

O economista e jornalista económico, defende, na segunda parte da entrevista à Camunda News – e no âmbito de um amplo trabalho que estamos a desenvolver de balanço dos primeiros anos de combate à corrupção no mandato do Presidente João Lourenço – a profissionalização da gestão da Sonangol. A escolha deve ser feita pelo Presidente da República a partir de propostas feitas por uma empresa de headhunting a nível global. Rosado de Carvalho considera ainda que o dito império empresarial de Isabel dos Santos nunca existiu, e que apesar da dificuldade em se conhecerem as contas que resultam do combate à corrupção, é mais do que provável que se venha a perceber que valeu a pena.

A oposição tem contestado a prerrogativa do Presidente João Lourenço em fazer adjudicações directas, que consideram que é um dos grandes entraves no combate à corrupção, notícias recentes dão conta de 2,8 mil milhões de dólares, por adjudicação directa.

As adjudicações directas são um fenómeno antigo, era assim no tempo do Presidente José Eduardo, e assim continua com o Presidente João Lourenço, se passam fora do orçamento… penso que há valores, que no seu devido tempo, vão constar do orçamento, o que há, também, é a assunção de compromissos e de dívida, e no caso das centralidades, até duvido que venham a ser feito. Tudo isto são jogadas eleitorais, como quem saca coelhos da cartola. É mais por aí. Eu estou preocupado com coisas concretas, o Governo e o Presidente autorizaram créditos adicionais de 150 milhões de dólares, para as forças armadas e para a polícia, e isso, sim, preocupa-me, porque isto foi feito e é dinheiro do orçamento deste ano. Outro exemplo, foi assinado um contrato ou um memorando para o metro de superfície, podemos considerar que se assinou uma coisa fora do orçamento, mas não me parece. Isto depende dos critérios. Há problemas com as adjudicações directas? Há, sim, senhora. Há problemas de desorçamentação, há, sim, senhora. E depois há esses exemplos…

… que, e sua opinião, isso não contribuem para situações pouco claras?

Não! Não estou a dizer isso. Estou a falar da questão formal do orçamento. É o seguinte: estes senhores que vão fazer as centralidades, é o grupo Mitrell, toda a gente conhece o Grupo Mitrell, é o dono, aparentemente, do Luanda Medical Center, estão num prédio da Segurança Social e não pagam renda. O Grupo Mitrell movimentava-se bem em Angola, antes, no tempo do Presidente José Eduardo, e, agora, com o Presidente João Lourenço. E há outros na mesma situação, como, por exemplo, a Gencorp.

Uns israelitas, outros ligados aos russos…

E desse ponto de vista não me parece que a situação tenha mudado, continua tudo relativamente na mesma.

Sei que segue outras realidades, e calculo que tenha acompanhado as comissões parlamentares de inquérito, nomeadamente em Portugal, e do caso BES, que tem uma ramificação séria com o BESA, mas não é disso que quero falar, é mais sobre a eficácia das comissões parlamentares de inquérito. O que é que lhe parece? Ou seja, o poder legislativo poderia ter um papel fundamental, por via essa, para o esclarecimento de algumas questões?

Eu defendo em absoluto a existência de comissões parlamentares de inquérito. Os resultados de uma comissão de inquérito dependem muito das pessoas que são ouvidas e até mesmo dos relatores. Mesmo assim, acho que era uma mais-valia extraordinária para Angola, um forte contributo para a democratização do país e, naturalmente, para o esclarecimento da verdade. Enfim, não há verdade absoluta, mas não tenho dúvidas absolutamente nenhumas e tenho defendido em vários fóruns em que tenho participado que a realização de comissões de parlamentares de inquérito podem contribuir para o apuramento da verdade, ou, pelo menos, como uma tentativa para percebermos o que se passou. É que para além das questões económicas, há as questões fundamentalmente políticas, temos os gestores que geriram mal e dos accionistas que foram incapazes de fazer o que era o mais correcto, mas há responsabilidades políticas, é justamente por que há responsabilidade políticas que não se fazem as comissões de inquérito.

Na reestruturação da Sonangol, ou regeneração, temos já uma empresa depurada ou expurgada dos focos de corrupção?

A Sonangol está a ser gerida pelas pessoas que sempre geriram a Sonangol, penso que se devia fazer um concurso público internacional para se chegar a um gestor de topo para a empresa, seja angolano ou mesmo estrangeiro, sendo que eu prefiro que seja um angolano, claro, mas seja quem for, fazia-se uma lista de gestores com curriculum que se apresentava ao Presidente e ele decidia. Ou seja, a escolha para o presidente e esquipa de gestão da Sonangol devia ser entregue a uma empresa de headhunting ou executive search, uma espécie de caçadores de talentos, essas empresas não escolhem uma pessoa, escolhem duas ou três, e depois, a partir dessas propostas, o Presidente da República fazia a sua escolha. Não tenho nada contra a actual gestão da Sonangol, mas é mais do mesmo. Os gestores que passam pela Sonangol são pessoas que tem ligações muito fortes à empresa, bom, o Presidente João Lourenço disse que a melhor forma de combater a corrupção era conhecer o sistema, se é isso é o que ele está a fazer com Sonangol… mas não me parece que seja esse o caminho. Para a Sonangol deve ir um gestor profissional, contratado no mercado nacional ou mesmo no mercado internacional.

Para uma gestão mais profissionalizada e menos politizada?

Claramente. E a pessoa que fosse gerir a Sonagol, devia ser-lhe dada a possibilidade de escolher a equipa.

Agora um outro tema, que me diz de todo o processo do caso do luso-angolano Carlos São Vicente? Acha que Angola vai recuperar os 900 milhões de dólares?

Acho que sim. Acho que, pelo menos, tem essa possibilidade. Os crimes de colarinho branco têm uma complexidade tremenda, mas nós sabemos, para o bem e para o mal, que o processo está na Suíça, e os suíços estão agora à espera que os tribunais angolanos tomem decisões sobre o processo. Os suíços continuam a considerar pouco fundamentadas as razões para uma parte do arresto relacionado com as AAA, quanto aos 900 milhões de dólares mantém-se congelados. Cabe à parte angolana fundamentar essas razões, e por aquilo que conheço do processo é relativamente fácil. Há a transferência de uma empresa que era propriedade da Sonangol para Carlos São Vicente, como é que aquilo foi parar às mãos de Carlos São Vicente? Pagou pela empresa? Quando e quanto? Parece que há uma série de irregularidades de que não deve ser complicado fazer prova. Por isso, depende de Angola recuperar os 900 milhões, desde que se consiga provar que há ali branqueamento de capitais… outra coisa é, e eu penso que posso dizer isso, como é que vamos usar esse dinheiro. Acredito que os suíços vão querer saber para onde vai esse dinheiro. Se podemos recuperar? Podemos. Dependente de nós, e da capacidade da Justiça angolana em provar que houve crime.

E do exemplo da Suíça, poderíamos passar para outras jurisdições, e chegamos, a Isabel dos Santos, no curto e média prazo como é que acha que vai evoluir a relação do Estado angolano com a engenheira Isabel dos Santos?

A minha impressão que é houve um extremar de posições, não sei se haverá alguma possibilidade de negociação, e se há… não sei, em política o que ontem era mentira hoje é verdade. E esta questão não tem contornos económicos, a engenheira Isabel dos Santos não construiu um império porque era boa em economia ou uma boa gestora, construiu com base em decisões de natureza política. Entretanto, e à medida que se aproximam as eleições, vejo, cada vez mais, o Presidente João Lourenço a ir buscar a velha-guarda, por isso não faço ideia nenhuma do que se vai passar daqui em diante, o que pode vir a acontecer, se esta aproximação inclui o antigo Presidente José Eduardo dos Santos e os filhos, ou não inclui. Mas há claramente a recuperação de figuras ortodoxas do MPLA identificadas com o Presidente José Eduardo dos Santos. Por isso… não arrisco nenhum prognóstico.

E o que é que resta do império de Isabel dos Santos em Angola, já falamos da Unitel…

… mas a engenheira Isabel dos Santos nunca foi dona da Unitel. Ela comportava-se como se fosse, mas na realidade só tinha 25% da Unitel. Era, justamente, por razões de natureza política que ela dominava a Unitel. A engenheira Isabel dos Santos diz que tinha criado 40 mil empregos, uma vez fiz essa pergunta aos serviços de comunicação da engenheira Isabel dos Santos…

… e o que é que lhe disseram?

… depois falou-se em 20 mil. Não me responderam, porque não me podem responder. A engenheira Isabel dos Santos considera como empregos que ela criou, os postos de trabalho no BFA (Bando de Fomento Angola) e todos esses empregos, quando muito pode considerar como empregos que criou, os da ZAP, Candando ou Luandina, os outros não foi ela quem os criou. Fala-se muito, mas eu nunca conheci o império da engenheira Isabel dos Santos, porque era o mais opaco possível. Qualquer grupo, em qualquer parte do mundo, é transparente, publica contas, eu nunca vi um relatório e contas auditado de uma empresa da engenheira isabel dos Santos, nunca. Como economista e jornalista especialista em Economia, não falo de coisas que nunca vi e, no caso da engenheira Isabel dos Santos não existiu um grupo empresarial, ou se existiu era uma coisa extraordinariamente opaca. Ela fazia-se passar por dona de coisas que não era, e, mais do que isso, o que nós sabemos agora é que a maior parte dos negócios da engenheira Isabel dos Santos foram feitos com dívida, endividou a Unitel e na maior parte das vezes não era ela que se endividava mas os parceiros que escolhia, em muitos casos empresas públicas que se endividavam ou davam as garantias aos bancos.

A entrada na Efacec com dinheiros da ENDE, na Galp com dinheiros da Sonangol…

… na empresa suíça de diamantes com dinheiro da Sodiama.

Chegamos então à conclusão de que o império da Isabel dos Santos é hoje irrelevante?

Como lhe disse, sou jornalista de economia e gosto de ver os números, e nunca vi os números desse dito império.

É possível chegarmos a outra conclusão, que isto do combate à corrupção, e contas feitas, foi um mau negócio para o Estado Angolano?

Acho que a gestão do combate à corrupção é que tem sido mal feita. Muito daquilo que recuperou, são passivos, são dívidas, mas acho que em termos gerais não me parece que seja um mau negócio. Gosto de trabalhar com números e não tenho esses números, mas não me parece. Com o acesso aos números ficava tudo mais fácil, mas tudo isto é política e comunicação está a ser gerida politicamente, no entanto, acho que o combate à corrupção tem um balanço positivo e é bom para o país. No futuro vamos considerar que valeu a pena, e, como diz o MPLA, corrigindo o que está mal e melhorando o que está bem.

Related Articles

Back to top button