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Disputas entre a família e o Estado sobre onde sepultar o corpo de um presidente são mais ou menos banais em África

Grace Mugabe no funeral do marido que foi como a família determinou que seria

Uma jornalista do Gana, Elizabeth Ohene, escreveu um artigo publicado na BBC News em que estabelece uma relação entre a morte de José Eduardo dos Santos e Roberto Mugab, do Zimbabué. Um artigo que tem várias pistas para uma reflexão.

“Tenho acompanhado a disputa sobre o local onde o ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, falecido em Espanha no dia 8 de Julho, deve ser sepultado”, começa por escrever a jornalista.

“O actual presidente João Lourenço e a quarta mulher de Dos Santos querem trazer seu corpo para casa para um funeral de Estado e para que seja sepultado num mausoléu – o que chamaríamos aqui em Gana de um enterro digno”, prosseguiu Elisabeth Ohene.

Que acrescenta que a filha Welwitschia “Tchizé” dos Santos quer um funeral privado e um túmulo discreto na Espanha, onde os filhos o possam visitar e conta para isso com o apoio de alguns dos seus irmãos, que são acusados de corrupção em Angola e que podem ser presos casos regressem ao país. Ao mesmo tempo que a família reivindica para si o direito sobre o corpo e o enterro, rejeitando qualquer obrigação constitucional do Estado angolano.

“Essa discussão dos direitos do Estado sob um corpo de um presidente morto parece ser recorrente”, escreve a jornalista, que conta que em 2019, houve uma situação semelhante no Zimbabué, quando Robert Mugabe morreu, quase dois anos depois dos seus 37 anos no poder, mais ou menos o mesmo tempo que José Eduardo dos Santos, e foi substituído por Emmerson Mnangagwa, que mesmo antes de Mugabe morrer já ocupava o cargo que lhe retirou com o apoio dos militares.

Quando morreu, era quase do senso comum que Mugabe seria sepultado no National Heroes Acre, na capital, Harare. Afinal, Heroes’ Acre foi construído por ele e aí supervisionou o enterro de muitos de seus ex-companheiros na luta de libertação, incluindo Sally, sua primeira esposa.

E Mnangagwa começou a construir um mausoléu para o líder da independência, mas a família de Mugabe mostrou-se contra, não depois de ter sido expulso do poder e traído por seus lugares-tenentes.

O corpo, argumentaram, pertencia à família e, após semanas de discussão, a família ganhou e Mugabe, o herói indiscutível da luta de libertação do Zimbabué, foi enterrado na sua aldeia natal, sem a presença das autoridades.

E a jornalista lembra ainda Kenneth Kaunda, o primeiro presidente pós-independência da Zâmbia, que não conseguiu descansar sem paz sem que antes houvesse uma disputa sobre o lugar onde seria sepultado. A família dizia que Kaunda queria ser sepultado ao lado da mulher e não no local que o governo tinha designado para o efeito.

No caso, a família cedeu e não insistiu nos seus direitos e “KK” – como o falecido Kaunda é carinhosamente conhecido – foi sepultado no Parque Memorial da Embaixada na capital, Lusaka.

E nem o Gana foge a estas disputas, o histórico líder panafricanista, o ganês Kwame Nkrumah, morreu quanto recebia tratamento médico em Bucareste, na Roménia. Começou por ser enterrado em Conakry, a capital da Guine homónima onde vivia exilado, e só mais tarde é que o seu corpo foi levado para o Gana, onde houve um funeral de Estado na capital, Accra, e depois sepultado em sua aldeia natal, em Nkroful.

Anos depois, foi construído um mausoléu em Accra e o corpo trazido de Nkroful e enterrado lá. De vez em quando, há murmúrios de sua família, em Nkroful pede que o corpo lhe seja devolvido.

“Portanto, tenho que concluir que um dos riscos de ser presidente em África é que não haverá um lugar de descanso para seu corpo quando morrer”, escreve Ohene.

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