Economia

COMO ENTENDER UM QUEBRA CABEÇA EMBRULHADO NUM MISTÉRIO DENTRO DE UM ENIGMA – José Inácio

Em meados de Fevereiro de 2022, uma movimentação misteriosa de tropas russas junto da fronteira com a Ucrânia, gerou imensa especulação sobre o desiderato da Rússia face à Ucrânia tendo culminado na invasão de um território soberano e exacerbado um conflito, que já perdura a mais de 8 anos. De modo geral, apesar da invasão da Rússia na Ucrânia ter dividido opiniões, gerado vários questionamentos, dentre eles o mais sonante, Porquê Putin ordenou a invasão? qual é afinal o objetivo de Vladimir Putin? Podemos considerar esta ocasião, como o momento chave para a descodificação do enigma, pois se olharmos a situação vigente na vertente geopolítica encontramos a respostas para os questionamentos anteriormente apresentados, dai que nos atrelamos na celebre descrição da Rússia, cunhada por Sir Winston Churchill, para explanar toda essa situação.

A Rússia é uma Nação fortemente movida pela defesa do seu interesse Nacional (Segurança), e tudo faz para manter as zonas tampão asseguradas pelas linhas fronteiras criadas pela geopolítica. Desde a assinatura dos acordos de Belavezha, que deram suporte a dissolução do bloco soviético, em Dezembro de 1991, as então repúblicas socialistas soviéticas afetas a aquele bloco estavam agora capacitadas a trilhar o seu próprio caminho, tendo a maioria dos países do bloco como (Polónia, Letônia, Estónia, Lituânia e Eslováquia) voltando-se para a Europa, numa perspetiva de aderirem um sistema democrático nos seus ordenamentos jurídicos.

Esta façanha das ex-repúblicas socialistas soviéticas, abriu na altura uma nova série de precedentes, com maior realce para a possível adesão da Ucrânia à União Europeia, cuja consequências predominam na atual situação entre a Rússia e a Ucrânia, com o agravante do facto de que a Ucrânia constitui uma zona tampão para a Rússia, o que significa que, a adesão deste país ao bloco Europeu não é apenas considerada pela Rússia como uma provocação, como também coloca em cheque questões de segurança da Rússia, que são vitais para a sua sobrevivência, tendo em conta a geopolítica da região.

Acrescente-se que, com a dissolução do bloco soviético no início da década de 1990, a União Europeia acelerou a implementação da sua política de vinhança, que através do Soft Power, cooptava os países do Leste para o bloco europeu, com maior destaque para a Ucrânia, que viu o seu ensejo barrado pelo Hard Power da Rússia.

Assim sendo, uma vez que o processo de adesão era efetivado, os países cooptados tornavam-se membros efetivos da Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN/NATO), o que permitia a instalação de bases militares nos referidos países e a movimentação de tropas afetos a organização entre os países aliados, bem como blindava-os com o artigo 5º do Tratado da organização onde consta que:

“As partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurançaa na região do Atlântico Norte.” (NATO, 1949).

Este último facto, contribuiu significativamente para a escalda de tensão entre a Rússia e a Ucrânia, uma vez que o cerne desta questão consiste na probabilidade da adesão da Ucrânia para o Bloco Europeu e consequentemente o alargamento da NATO para o Leste, pretensão que a Rússia considera “impensável e/ou inaceitável” não por mero capricho de Putin, mas sim por questões geopoliticas, históricas, culturais e principalmente securitárias.

Por este facto, em 2014 Vladimir Putin, coordenou a anexação da Crimeia como resposta a pretensão da Ucrânia em aderir a UE, numa demonstração clara Hard Power, após a queda do governo do presidente Yanukovch. Dai seguiram-se os confrontos militares, já na gestão de Poroshenko que culminaram com a assinatura dos acordos de Minsk aos 22 de Fevereiro de 2015. Portanto, se houve uma primeira invasão, claramente que se podia esperar por uma segunda, que veio a se efectivar em 25 de fevereiro de 2022, pois como já foi aqui referido a Rússia não permitirá de maneira nenhuma que a Ucrânia adira a União Europeia.

Sete anos após a assinatura dos acordos de Minsk de 2015, a escalada do conflito volta a acontecer, desta vez com uma Rússia melhor preparada militarmente, tendo estacionado 100.000 soldados na fronteira com a Ucrânia, como resposta a nova expansão da NATO para Leste, que viu no fim do governo de Petro Poroshenko e ascensão de Volodymyr Zelensky uma oportunidade para cooptar a Ucrânia com um suporte político e militar maior.

Entretanto, face a esta nova expansão da NATO, à Rússia respondeu usando a máxima do Czar Ivan, o Terrível, “o ataque como defesa”, tendo colocado em marcha um Casus belli na região de Donbass (Donetsk e Lugansk).

Em resposta o Ocidente posicionou-se com um pacote de sanções contra a Rússia, com maior ênfase para o cancelamento do gasoduto Nordestream 2, na Alemanhã, e a exclusão de alguns bancos russos da Sociedade para Telecomunicação Financeiras Interbancárias Globais, conhecido como Sistema Swift. Este pacote de sanções visa essencialmente asfixiar a economia russa, porém funciona como uma via de mão dupla, principalmente pelo facto de a Rússia ser o principal fornecedor de gás da Europa, isto é, por um lado o corte no fornecimento do gás russo condiciona a produção industrial europeia, com principal incidência para a industria alemã, enquanto que, por outro lado condiciona e de que maneira, a economia russa que tem nas commodity (petróleo e gás natural) sua principail fonte de renda. Diante disto, fica claro que o prolongamento da guerra prejudicara tanto a Rússia como a União Europeia.

Portanto, fica patente a ideia de que a geopolítica da região constitui um quebra cabeça na medida em que a confluência das linhas fronteiriças no Leste da Europa fazem dos países da ex-URSS prisioneiros da geografia e a sua viragem para o ocidente deixa a Rússia fragilizada, sobretudo a Ucrânia que na eventualidade de aderir a NATO colocaria o Porto de Sevastopol, na Crimeia, a disposição da NATO deixando a Rússia encurralada na passagem do estreito de Azov para o mar de Negro.

Contudo, o mistério dissipa-se, claramente, com o evidente temor russo do alastramento da NATO para Leste, que induziu Putin a violar as normas do direito internacional, por meio do que foi considerado pelo próprio como a desmilitarização da Ucrânia, que na verdade não passou de um ataque preventivo com o objectivo de fazer cair o governo ucraniano, legitimamente eleito e consequentemente instalar na Ucrânia um governo complacente à Rússia, de modos a garantir que a sua zona tampão permaneça intacta.

Por fim, toda essa movimentação russa no tabuleiro do xadrez internacional evidencia uma clara manobra de Putin para garantia do interesse principal da Rússia que figura, concomitantemente, na chave para descodificação do enigma, que é a garantia da segurança nacional russa.

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