Vivemos a época do confinamento social. Face à situação que o mundo está a passar, a maior parte dos países adotou o confinamento social como uma medida de prevenção e contenção da propagação do novo coronavírus. Os confinamentos sociais, em termos de suas implicações sociológicas, originou uma espécie de entropia da vida social. A vida social foi reduzida a um espaço limitado, regrado e consequentemente passou a ser observada. A vida social era regida por uma preocupação exacerbada com o tempo. O sistema capitalista tinha trazido o tempo como um recurso económico: “time is manay”, frase atribuída a Benjamin Franklin, no contexto do nascimento do capitalismo, como aponta o sociólogo Max Webber. Nesta linha de pensamento, a análise de Denise Bombardier, sociólogo e jornalista Canadense faz todo sentido: “o recurso tempo é talvez o bem mais precioso do sistema económico”.(…)Uma fracção de segundos transforma-se em milhões de dólares de lucro ou de prejuízos.”
Então, a vida social até então se resumia num correr com o tempo. É esse mundo dirigido pela lógica capitalista (dinheiro, dinheiro e mais dinheiro) que se instala esse “contexto todo-poderoso” que parecia “privilegiar a frivolidade dos valores”, como comenta, num texto, Jérôme Bindé. Era um tempo já anunciado pelo filósofo contemporâneo Fredieche Nietzsche. Um momento que existe a “perda de sentido”, a “desvalorização dos valores supremos”.
As pessoas se viam sem tempo até para relacionamentos humanos duradouros, como observaram muito bem os sociólogos Anthony Giddens e Zugmund Bauman. Vivíamos um tempo em que não saber administrar o tempo mostrava-se ser uma acto de incompetência. A vida social corria milimetricamente, e daí as pessoas não podiam se dar ao luxo de perder tempo. Era-nos muito familiar a frase: “Não tenho tempo a perder”. Um minuto pedido poderia levar uma empresa à falência ou uma vida ao extremo fracasso. É esse ambiente social que roubava a vida das pessoas. Daí assuntos como falta de tempo dos pais para educar os filhos serem muitos debatidos nesta altura. Os pais doavam a maior parte do seu tempo na busca por dinheiro, restando apenas as férias para o lazer e o convívio com a família.
A época dos confinamentos sociais veio precisamente alterar esse estilo vida. Em tempos de confinamento social a falta de tempo deixou de ser um problema, passando a dar lugar a um outro problema maior: o excesso de tempo.
O confinamento social tem desafiado as pessoas a buscarem/inventarem formas de passar o tempo. Passar o tempo é uma coisa que só se tem quando se tem tempo por excesso. Então as pessoas precisam matar esse tempo. Para efeito, as pessoas confinadas tendem a ocupar-se assistindo à televisão, acessando às redes sociais, assistindo a filmes, séries etc. ( já agora, na nossa sociedade, a 4 temporada da série “La casa de papel” tornou-se um arsenal de matar o tempo muito usado pelos jovens angolanos).
Esse problema se instala quando essas actividades não cobrem todo o tempo que se tem por matar. Por vezes, as pessoas encontram-se em situações em que já tudo fizeram (inclusive brincadeiras), e se veem sem recursos para passar o tempo. É esse tempo que eu chamo de “tempo vazio”. Por tempo vazio entendo ser o momento em que uma pessoa vê-se numa situação em que nada há mais para fazer. Ainda que haja, porém o tédio já tomou a sua vontade. Por isso, o tempo vazio não pode ser confundido com o “tempo livre”. O tempo livre é um momento que a pessoa tem disponível, face a aquilo que ele diareimente faz. E a tendência normalmente das pessoas é preencher esse tempo com algumas actividades de lazer. O tempo vazio não. Ele é um momento em que a pessoa não tem nem condição psicológica nem material para preencher determinado tempo que tem.
As Consequências do Tempo Vazio no Contexto dos Confinamentos Sociais
Os confinamentos sociais põem as pessoas em situações de tempo vazio. O excesso de tempo, por vezes, ultrapassa os recursos para passa-lo. A repetição das mesmas coisas intendia as pessoas. Nisto, surgem então aqueles momentos em que as pessoas se veem sem nada mais para fazer. Por vezes, no início do tempo vazio, a tendência da pessoa é ir dormir, tentando evitar o sofrimento de ver “vaziamente” o tempo a passar. Mas o que acontece é que, por vezes, o sono não cobre todo esse tempo vazio. Assim, vendo-se a pessoa obrigada a infrenta-lo, o estado emocional é de tristeza, de stress e de ansiedade.
Esses estados emocionais podem levar as pessoas a cometer actos de violência doméstica. As crianças e as mulheres sobressaem-se como as principais vítimas.
Portanto, o tempo vazio é uma realidade imposta pelo confinamento social e ela é susceptível de ter repercussões negativas na atitude das pessoas face as outras, originando, por vezes, actos de violência doméstica contra mulheres e crianças.