Os três anos do Twitter do Presidente João Lourenço
Pouco mais de 100 posts fazem a breve história dos três anos do Presidente João Lourenço no Twitter.
“O País está a trabalhar para reduzir as juntas médicas“, é título de primeira página do Jornal de Angola na sua edição de 13 de Setembro, quem o garantiu foi o Presidente João Lourenço. E podia tê-lo transmitido sem intermediação através, por exemplo, do Twitter, privilegiando o contacto directo com angolanas e angolanos.
Em Angola, vários factores contribuem para que este fenómeno não tenha ainda o papel relevante a que assistimos noutras latitudes, e podemos adiantar alguns: os órgãos de comunicação tradicionais – jornais, rádios e televisão – são tutelados pelo Governo, logo, os mediatradicionais passam a mensagem tal e qual a sede do poder, o Palácio da Cidade Alta, determina; a ausência de uma estratégia de comunicação coerente por parte dos serviços da Presidência, que fazem uso das redes sociais de forma muito criativa, e talvez não menos importante, a personalidade do Presidente João Lourenço, a que se acrescenta uma cultura de distanciamento e reserva que caracteriza os políticos angolanos, para quem a necessidade de informar não vai além dos comunicados institucionais do bureaupolítico do partido do poder, o MPLA.
No dia 5 de Setembro deste ano, o país emocionava-se e agitava-se com a morte do médico Sílvio Dala sob custódia da Polícia Nacional. O médico foi detido e conduzido a uma esquadra de Luanda porque conduzia o seu carro, sem outro ocupante senão ele, sem máscara. Nesse dia, o Presidente João Lourenço escrevia no Twitter: Gesto nobre dos kuduristas angolanos, ao homenagearem o grande SEBEM. O kuduro é nosso, é angolano e orgulha-nos. A felicidade, todos nós queremos “Muita saúde para o SEBEM”., de lá para cá e até ao momento que escrevemos, dia 13 de Setembro, o Presidente não voltou ao Twitter para dizer fosse o que fosse a quem o segue, e são mais de 75 mil pessoas.
No sábado, dia 12 de Setembro, em que a população saía à rua em protesto pela morte do médico às mãos da polícia, com t-shirts pretas onde se lia em letras brancas “eu sou Dr. Sílvio Dala”, o Presidente inaugurava o Hospital Central do Bié, com nome do médico cirurgião canadiano Walter Earl Strangway. Sobre uma coisa e outra, nada disse no Twitter, nem sequer aproveitou para, e de forma directa, explicar porque é que se dava o nome de um médico canadiano a um hospital angolano, sendo que a biografia do médico o explica.
Uma rápida passagem pelo Twitter e temos que os principais líderes do mundo democrático (e não só) fazem desta rede social um lugar privilegiado para passarem a mensagem aos cidadãos. E podemos não referir o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conhecido pela sua mais do que prolífera produção tuiteira, ou primeiro-ministro indiano Narenda Modi ou o Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan, que lideram a lista dos políticos com mais seguidores, e temos outros exemplos: o do secretário-geral das Nações Unidas António Guterres, que faz do Twitter o meio privilegiado para transmitir mensagem entrando frequentemente em directo (live), do Presidente francês Emmanuel Macron e da chanceler alemã Angela Markel, que fazem o mesmo, ou, ainda, do Papa Francisco com os seus 50 milhões de seguidores, e que transformou o Twitter no púlpito da sua mensagem ecuménica.
A comunicação política tem um papel importante no sistema democrático contribuindo para uma cidadania do conhecimento. Não é uma exigência dos cidadãos que o Presidente comunique com eles, deve ser uma prorrogativa do Presidente usar as plataformas online à sua disposição para criar proximidade com os cidadãos. O Presidente João Lourenço usa as redes sociais, mas muito pouco.
Meus prezados compatriotas, estejam onde estiverem, este canal nos vai aproximar certamente mais. Um Ano Novo muito feliz e próspero!,escreveu o Presidente João Lourenço no dia 24 de Janeiro de 2018. Podemos dizer que foi mais uma promessa não cumprida, embora o início tenha sido promissor.
Nesse mesmo dia, escrevia outro tuíte: As nossas diferenças não comprometem os nossos objectivos fundamentais. Ontem, tive uma conversa produtiva com o Primeiro-Ministro português, Dr. António Costa, à margem do Fórum Económico Mundial que decorre em Davos (Suiça). Na altura Angola e Portugal enfrentavam um momento particularmente tenso das relações bilaterais e que ficará para a História como o “irritante” provocado pelo processo judicial instaurado, em Lisboa, ao ex-vice-presidente da República de Angola Manuel Vicente, que acabaria por ser tramitado para Luanda.
Não são muito frequentes tuítes do Presidente. Entre Janeiro de 2018 e Setembro de 2020 temos pouco mais de 100 postagens, digamos assim. Em breve análise, e divididos em categorias como política nacional, africana ou internacional; cooperação africana e internacional; economia nacional, africana ou internacional; desporto nacional e internacional ou Cultura, temos que nos últimos meses o Presidente tem-se focado mais na política e cultura do País, o que também se explica devido à pandemia e ao fecho das fronteiras áreas e terrestres de Angola, e que no primeiro ano privilegiou a sua actividade além fronteiras e cooperação africana, como a já referida presença em Davos ou presença em Adis Abeba para a reunião de líderes da União Africana (UA), a esse propósito, no Twitter, o Presidente deu conta da sua intervenção e escreveu: Temos que resgatar os valores de solidariedade que nortearam a acção dos Países fundadores da Organização da Unidade Africana (OUA), hoje União Africana.
E ainda Twitter, o Presidente continuou a dar conta, com relativa frequência, das suas deslocações, dentro e fora, do Namibe à Nigéria, e de outros assuntos. A 19 de Fevereiro de 2018, escrevia: A nossa tarefa em prol da democracia continua firme. O Executivo vai preparar as condições para que as eleições autárquicas sejam realizadas antes das eleições gerais de 2022, em data a negociar entre as formações políticas com assento parlamentar e o concurso da sociedade civil.
Logo a seguir, a 13 de Março: Não basta vivermos no multipartidarismo com a realização periódica de eleições, não basta haver liberdade de expressão e de imprensa; só existe um verdadeiro Estado Democrático e de Direito lá onde houver um sistema de Justiça eficiente, ao serviço dos cidadãos. Em Maio, João Lourenço escrevia: Conversei na manhã de hoje com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa na sequência da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Felicitámo-nos pelo feliz desfecho do caso e reiterámos a vontade de seguir em frente com a cooperação entre os nossos dois países.E desta forma se fechava o ciclo do “irritante” diplomático entre os dois países.
Ainda no mesmo ano de 2018, o Presidente João Lourenço dava conta dos seus encontros com o Presidente Vladimir Putin, Xi Jinping e Erdogan, ou do aplicativo móvel “Qualificar” (Educação). Em Setembro, participa na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. Regressa a Angola por Madrid onde se encontra com Filipe VI. E tudo isto é assinalado no Twitter.
Em Novembro de 2018, escreve: Ao celebrarmos os 43 anos da independência, cada angolano deve reflectir sobre a necessidade de honrar o feito dos nossos heróis da liberdade, com o compromisso de preservarmos o nosso património comum. Somos Angola e precisamos ser, cada vez mais, nós mesmos. Viva Angola!
Antes do final do ano, em Dezembro, num tuíte do Presidente podemos ler: Na próxima sexta-feira, recebo, aqui Palácio, jornalistas de órgãos nacionais e estrangeiros para, numa entrevista colectiva, abordarmos temas relevantes sobre o nosso país. Estou, pois, consciente que um cidadão informado é um activo inabalável para a nova Angola. Estamos juntos.
O ano de 2019 começa com boas notícias no campo digital e o Presidente escreve: Considero o governo electrónico um importante factor para o desenvolvimento do país, por isso, anuncio o lançamento do SEPE, um portal que disponibiliza informações e serviços públicos electrónicos.
À medida que avançamos no tempo e no Twitter do Presidente João Lourenço vão rareando os tuítes. O Presidente de Angola faz referência, no início de 2019, aos seus encontros, em Joanesburgo, com os Presidentes Vladimir Putin, Xi Jinping e Erdogan, à margem dos BRICs, pouco tempo depois dá os parabéns pela vitória à selecção de futebol de sub-17, que teve meritório desempenho no Mundial do Brasil e, em Abril, visita Abel Chivukuvuku no hospital, a fotografia do encontro é publicada num post do Twitter.
Em Maio de 2019, o Presidente João Lourenço, acompanhado da primeira-dama Ana Dias Lourenço, está no acto de investidura do Presidente Cyril Ramaphosa, na África do Sul, e logo a seguir, ainda em Maio, vai até à República Democrática do Congo (RDC) onde participa numa homenagem a Etienne Tshisekedi. Tudo isto passa por posts do Presidente no Twitter. Por aí também passam as suas emoções ao assistir a um jogo da selecção nacional e a sua solidariedade para com os Palancas Negras, que foram derrotados, ou a sua homenagem à Mulher Africana.
É ainda no Twitter que se assinala, e se congratula, com a nomeação de médico angolano Filomeno Fontes como director do Instituto de Medicina Tropical de Portugal (em Lisboa). Em Nova Iorque, Adjany Costa recebe, em 27 de Setembro de 2019, um prémio das Nações Unidas. O Presidente não deixa de sublinhar o momento no Twitter. O mundo assistiu ontem em Nova Iorque nas Nações Unidas, a entrega do prêmio “Campeões da Terra 2019”, a um grupo de jovens, entre os quais a ambientalista angolana @AdjanyCosta pelo trabalho científico de exploração da bacia do Okavango no Kuando Kubango. Estamos orgulhosos de si.
Por falar em prémios, Presidente não deixou de felicitar, antes, em Junho, uma outra angolana distinguida internacionalmente. Os meus parabéns a jornalista angolana Luísa Rogério,eleita membro da Comissão Executiva da Federação Internacional de Jornalistas n decurso do Congresso realizado em Tunis. Só com trabalho árduo,profissionalismo e perseverança somos reconhecidos. Angola se orgulha, escreveu o Presidente.
Em Novembro de 2019, continuam as felicitações, desta vez ao novo líder da UNITA. Felicito Adalberto da Costa Júnior pela sua eleição a Presidente do maior Partido da oposição. Que esta eleição represente o fortalecimento da oposição,a bem da democracia.
Entretanto chegou 2020 e logo em Janeiro ecos de um novo vírus que se disseminava entre humanos na China, em Fevereiro chegava à Europa e em Março a Organização Mundial de Saúde declarava que o mundo enfrentava uma pandemia. A Covid-19 veio para ficar e interromper uma vida normal. Em Janeiro de 2020, o Presidente ainda escreve no Twitter: Depois de 12 dias de férias no país, estou de regresso ao trabalho com as energias renovadas. Nosso país tem encantos maravilhosos,que devemos valorizar. Promovamos o turismo interno, como contributo para a melhoria das infraestruturas hoteleiras e a qualidade dos serviços.
Mas em Abril, num mundo virado do avesso, as preocupações eram outras. Num tuíte, o Presidente fazia uma triste felicitação:Felicito os jovens angolanos que a partir da China via TPA,transmitem sua experiência na luta contra o COVID 19. Vossa auto disciplina foi o segredo da vitória da vida,sobre a desgraça. Compatriota,siga o exemplo deste caso de sucesso, FIQUE EM CASA!
O mundo confinou e o Presidente confinado ao Palácio da colina de São José sem aproveitar as plataformas onlinepara comunicar com os cidadãos, ou aproveitando-as muito pouco. Ao contrário de muitos líderes que usaram as redes sociais para comunicar de forma frequente com os cidadãos, o Presidente de Angola deixou essa tarefa a cargo dos seus auxiliares do poder Executivo, com particular destaque para a ministra da Saúde Sílvia Lutucuta e para o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil, entretanto designado, Adão de Almeida. Outros ministros fizeram raras e polémicas aparições como ministro do Interior Laborinho Lúcio ou o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança Pedro Sebastião.
As suas referências nos últimos meses no Twitter são para a Covid-19, com especial incidência para com os cuidados a ter e para o reforço do Executivo na área das Saúde com a criação de novas infraestruturas hospitalares, e esse tendo sido um quase “monotema”, abrindo uma excepção para se referir, a 19 de Agosto, ao golpe de Estado no Mali: Acompanhamos com atenção os últimos acontecimentos no Mali. Independentemente das razões na base das quais o Presidente eleito foi deposto, repudiamos e desencorajamos esta forma de forçar a alternância do poder. E à música, às celebradas lives no Kubico em tempo da pandemia. Em 5 de Julho, o Presidente escreve: Felicito os organizadores do programa ” Live no Kubico ” , por manterem viva a nossa cultura. Uma saudação a todos os artistas, que neste e em outros programas televisivos da TPA e da Zimbo, fazem boa companhia as famílias angolanas.
Sobre a grave crise económica que o País enfrenta ou sobre as mortes de cidadãos às mãos da Polícia Nacional, o Presidente nada diz, nem no Twitter.
*Nota: optamos por transcrever os tuítes do Presidente tal e qual, sem emendar erros de sintaxe e outros.