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Votarão em que partido, afinal? Laivos de dissonância cognitiva

Em termos psicológicos, toda a informação que alguém partilha pode ser analisada com base nos factos veiculados, nas acções de quem informa, nos sentimentos manifestos, nos valores subjacentes às atitudes evidenciadas, e no contexto de tal abordagem, entre outros.

O valor do que ouvimos alguém nos dizer fica, geralmente, difuso, quando o emissor revela inconsistências internas, conflitos de conteúdo ou inconformidade de substância. Por exemplo, se uma pessoa diz estar muito calma, tranquilérrima, mas a sua linguagem não-verbal demonstrar tremura, suor fino, agitação e sinais de nervosismo e ansiedade, o poder de suas palavras acaba sendo muito reduzido. Tecnicamente, isso se enquadraria no que se chama de DISSONÂNCIA COGNITIVA.

Se as afirmações dos cidadãos naqueles vídeos tiverem sido feitas por reais militantes do partido que ostentavam nas camisolas, e se tais dizeres não tiverem sido partilhados em contexto jocoso, de mera diversão, poderemos, então, inferir que houve dissonância cognitiva nos seus actores. Geralmente, actos cognitivamente dissonantes enquadram-se no que, em Psicologia, também se chama de COMPORTAMENTO DE BUSCA DE SEGURANÇA. Ou seja, nessas condições, o indivíduo sente haver conflito entre duas crenças, entre dois posicionamentos antagónicos, um dos quais se lhe afigura digno de ser maximizado, por ser aparentemente protector, em detrimento de outro menos ameaçador, e, por isso, relativamente negligenciável.

Dado que estar fisicamente numa manifestação político-partidária demanda mais recursos psico-emocionais, temporários e materiais da pessoa do que só fazer afirmações verbais circunstanciais, pode-se sugerir que, na percepção dos cidadãos em análise, seria algo arriscado ou ameaçador não estar no evento. Ou, pelo menos, haveria perdas vistas como pouco toleráveis, em abster-se do acto. Quer dizer, para tais cidadãos, e em consequência dessa reflexão, talvez fosse mais seguro estar no evento do que não lá estar.

Outrossim, estar no acto não me parece ter resolvido todo o conflito interno que indiciam. Isso pode explicar a necessidade de terem de afirmar que, apesar de tudo, a sua intenção real de voto é direccionada ao partido oponente daquele que “vestiam”. Já aqui, estaríamos perante o que seria um indicador dum clássico mecanismo de defesa: a COMPENSAÇÃO.

Por via da compensação, em Psicologia, o indivíduo tenta esconder ou minimizar, consciente ou inconscientemente, as suas fraquezas, frustrações, desejos, sentimentos de inadequação ou incompetência percebidos numa área ou aspecto da vida, através de esforços de gratificação ou busca de sucesso noutra área ou dimensão. Em termos psicanalíticos, e com as excepções possíveis, o que se vê naqueles vídeos pode indicar que seus actores percebem-se de alguma forma vulneráveis, com níveis relativos de frustração, inadequados à situação ou politicamente pouco competentes. Conquanto, afirmar que vão votar noutro partido político sai-lhes, aparentemente, como uma espécie de “tubo de escape”, um procedimento de alívio psico-emocional, ou seja, um mecanismo de compensação.

Por outro lado, o cenário em análise também pode remeter ao conceito psicológico chamado PODER AGENCIAL. Isto, em termos básicos, diz respeito à capacidade de tomar decisões e de sentir algum controlo sobre as consequências. O poder agencial das pessoas tem muito a ver com o que elas percebem ser suas forças internas e recursos acessíveis, para modificar a condição em que se encontram, em benefício próprio e ou de pessoas significativas. As palavras dos cidadãos envolvidos naqueles vídeos, tomadas a sério, revelariam um baixo senso de agência, ou seja, uma reacção passiva quanto à decisão de estarem ou não no acto político de massas, por um lado. Por outro lado, suas afirmações e intenção de voto apontam para a crença de virem a ter um firme nível de julgamento de agência, quando estiverem a decidir em contexto de urna eleitoral.

Aqui chegados, e numa perspectiva mais global, se pode deduzir haver cidadãos angolanos que, embora sejam objectivamente activos num partido político, tenham um outro partido no seu coração. A ser assim, uma curiosa questão seria: “por que não ficam, assumidamente, no partido de sua escolha íntima?” Talvez porque, muito provavelmente, e com base na argumentação feita, não lhes pareça seguro fazê-lo? Como explicar isso? Pelas mesmas lógicas, poder-se-ia dizer que seja por conta de suas percepções gerais de risco, de ameaças à segurança, e de pouco poder agencial.

Tudo isso permitiria, em meu entendimento, afirmar que, em Angola, percebe-se ser ainda arriscado assumir posicionamentos políticos e partidários activos, com a devida coerência e autenticidade. Tal fenómeno devia ser objecto de estudo e de acções correctivas, não somente pelos próprios partidos políticos, mas pelos especialistas do comportamento humano, pelos gestores do Estado, e por todos aqueles que se importam e vigiam o exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

Por uma Angola livre, democrática e desenvolvida: sejamos conscientes!

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