Economia

Falta de infra-estruturas de base ainda são entrave ao investimento estrangeiro

Sai daqui satisfeita? Acha que vai haver um legado dessa Cimeira de Paris?

Sem dúvidas, porque a Cimeira decorreu num ambiente de muita abertura, com diálogo franco no que diz respeito às expectativas de parte a parte. Também o fecho foi pragmaticamente realizado pelo Presidente Emmanuel Macron. Tudo indica que os próximos tempos serão meses de trabalho para todas as partes envolvidas, com o intuito de vermos aceleradas muitas iniciativas que, de resto, já existem e que foram incentivadas a ganhar mais velocidade e dimensão no que concerne aos recursos que podem ser disponibilizados aos países africanos.

No entanto, ficou-se com a noção de que eram necessários mais recursos do que aquele que se disponibilizou. Ao fim e ao cabo, o copo ficou meio vazio, não?

Por isso é que eu referi que há trabalho a fazer nos próximos meses. Ficamos com um número de 33 mil milhões de dólares?

Precisam de 200 mil milhões?

Indicativamente, sim. O Presidente Macron fez o apelo no sentido de fazer esse número subir ainda mais, para cem mil milhões de dólares, pela via da cedência dos direitos especiais de saque por parte dos países que não têm intenções ou que precisem menos deles. Os principais actores dessa estratégia serão as instituições financeiras multilaterais, com o FMI na liderança desse processo, mas o apelo também foi estendido ao Grupo Banco Mundial e ao Banco Africano de Desenvolvimento. Para, através dos fundos que estão à sua disposição e, no caso do BAD, por via do aumento de capital que se pretende realizar, colocar mais recursos à disposição dos países africanos.

Como se pode explicar uma situação dessas, quando paradoxalmente África é o continente que sofreu menores perdas humanas, mas é o que tem impactos económicos maiores.

Tudo está relacionado com a situação de partida. Quando o crescimento ainda padece de fragilidades e a estrutura económica ainda está assente em bases frágeis, ainda há fraquezas do ponto de vista institucional assim como no acesso às infraestruturas básicas, tudo isso acentua os efeitos de qualquer impacto negativo. Se olharmos o caso de Angola, que tem uma economia fortemente dependente do petróleo, o choque que aconteceu no preço do petróleo e a necessidade de cumprimento das quotas de corte da OPEP fizeram com que a nossa capacidade de gerar receitas quase se evaporasse. Nós temos, sim, outras fontes de receitas, mas a petrolífera ainda é a principal. Tudo o que aconteça e afecte a produção petrolífera tem um impacto tremendo em termos económicos e, por consequência, também em termos sociais. De modo que quão mais diversificada for a estrutura económica, quão mais fortes forem as instituições e os serviços estiverem completamente disponíveis, mais resilientes se tornam as economias. África está a sofrer mais porque tem essas fragilidades ainda por resolver.

Os riscos da dívida pública não tenderão a agudizar ainda mais a situação dos países africanos?

Por isso é que toda a discussão foi baseada em dois pilares: em primeiro lugar, o acesso a financiamento concessional, ou seja, com taxas baratas e mais fácil de pagar; e o segundo pilar é o da dinamização do sector privado. As multilaterais colocarem-se em campo para ajudarem pela via do reforço da capacidade das empresas privadas africanas de capitalizarem soluções em termos de private equity funds em África, venture capital em África, mas também colocarem à disposição mecanismos como seguros de créditos e garantias para, por essa via, baixar os custos do financiamento e ajudar o sector privado a ganhar outra velocidade e outra dinâmica. Também foi incentivada a constituição de consórcios entre empresas privadas africanas e não africanas para, no dia-a-dia, o potencial de conhecimento ser optimizada e assim o sector privado desempenhar um papel mais relevante no desenvolvimento das economias africanas. Por isso, a concretização desses dois factores – a dinamização do sector privado e o financiamento mais barato – irá ajudar a que o desenvolvimento ocorra sem aumentar mais o stock da dívida.

O Ministro francês afirmou que a fraca resiliência das economias africanas decorre do facto de, em muitos países, apenas cerca de 5% da população pagar impostos.

Esse é um aspecto que também foi debatido, ou seja, a importância de tornar os sistemas tributários mais fortes. Como? Através da implementação de tipos de impostos que permitam aumentar as receitas fiscais, que não apenas aquele adveniente das matérias-primas. Por exemplo, no caso de Angola, a receita fiscal não petrolífera. Decorrente disso, alargar a base tributária e chegar até onde a capacidade do Estado de arrecadar ainda não chega e a educação fiscal, ou seja, criar consciência sobre a importância de pagar impostos.

Como está a situação no caso de Angola?

No caso de Angola, estamos a trabalhar na criação de novas categorias de impostos como foi a implementação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Implementamos o imposto especial de consumo e fizemos reformas importantes no imposto sobre o rendimento do trabalho, tributando de forma mais moderada as classes com menor rendimento e de forma mais pesada as classes altas de rendimento, mas aligeiramos o imposto industrial. Portanto, essa é uma via importante para incrementarmos a receita fiscal não petrolífera. Temos também em curso um programa de educação fiscal em que a nossa Administração Geral Tributária faz um exercício pedagógico junto de estudantes, operadores económicos, entre outros, para explicar a importância de pagar impostos. Por outra via, estamos a trabalhar na digitalização do pagamento de impostos e a aumentar as acções de fiscalização para combate à evasão fiscal. Estamos então a trabalhar nessas três vertentes da arrecadação fiscal, mas ao mesmo tempo não podemos descurar a importância da qualidade da despesa, incentivando cada vez mais os procedimentos abertos da contratação pública e, como já referimos na componente da dívida pública, sendo conservadores naquela que é a aceitação dos novos termos de financiamento.

Estamos aqui também a lutar contra a pandemia e a acelerar os programas de vacinação. Pelo que percebi, Angola não é avessa também a estudar a possibilidade de produzir vacinas e assim abraçar um programa de transferência de tecnologia. É certo?

Sim, o que temos vindo a dizer é que vamos fazer uma auto-avaliação. Devemos não ser nem pouco ambiciosos e nem ingénuos. Devemos estar algures no meio. Ingénuos significa que não podemos deixar de ter consciência das nossas fragilidades e limitações, mas temos de fazer uma auto-avaliação para vermos até que ponto essas podem ser tratadas e assim estarmos à altura desse desafio, mas termos a ambição de chegar lá fazendo o nosso próprio caminho e levando o tempo que for necessário. Sendo possível avançar, avancemos com sustentabilidade, com consistência para transmitir segurança aos beneficiários finais das vacinas.

Significa que numa primeira fase se vai rever o dispositivo Covax que deveria abastecer 20% da população africana e deveríamos passar para a meta dos 40 por cento?

Na verdade, os países foram totalmente consensuais no que diz respeito a esse tópico. Se formos a olhar os países africanos que beneficiaram da iniciativa, a maior parte deles ainda não vacinou 20 por cento da sua população. Alguns, porque ainda não receberam todas as vacinas, outros porque estão em processo? Qualquer aumento é bem vindo, mas temos de assegurar que o compromisso inicial dos 20 por cento se concretize de forma plena. Nalguns casos, há também questões logísticas e culturais a tornar o processo mais desafiante. Estou a falar do trabalho que é levar as vacinas aos locais mais recônditos ou ainda do facto de a própria população não querer ser vacinada por razões culturais. De modo que há esses desafios a resolver.

Tem-se noção da dimensão dessa relutância em Angola?

Felizmente, em Angola, pelos dados, isso não é tema. Nós temos em Angola uma população bastante sensível a receber a vacina e com a devida explicação aceita facilmente a vacina. No nosso caso, o desafio maior é em termos logísticos, porque temos zonas onde o acesso é difícil e, tratando-se de duas doses, esse desafio é ainda maior. Também estamos a avaliar a hipótese de, no caso das regiões mais recônditas, e solução partilhada por muitos países africanos, se optar pela vacina com apenas uma dose.

Houve uma ronda de contactos empresariais e que poderão desembocar em possíveis novos investimentos franceses em Angola?

Sim, felizmente sim. Também foram levantadas questões relacionadas com a necessidade de continuarmos a trabalhar na melhoria do ambiente de negócios e na criação de infraestruturas de base, como o acesso a electricidade e água potável, para tornar esse exercício de investimento mais fácil.

Mas qual é afinal o principal travão em seu entender? O que lhe dizem os empresários?

Não diria que há um travão. Diria que há um processo em curso, na medida em que nós estamos a reconstruir a confiança na economia angolana, estamos a estabilizar os indicadores macro-económicos e estamos a comunicar isso aos investidores. Julgo que a nossa agenda deve prosseguir, porque, não tenhamos ilusões, Angola não é o único destino potencial para os investidores. Existem vários outros. De modo que nós temos de continuar a fazer aquilo que temos vindo a fazer, para que aqueles investidores que tenham o seu capital disponível venham investir em Angola. Os parceiros do Estado que vão para Angola construir infra-estruturas com base em financiamentos e com apoio das autoridades existem e vão continuar a investir. Essa disponibilidade nunca deixou de existir. Mas nós queremos mais do que isso: queremos pessoas que vão para Angola e assumam o risco país colocando o seu próprio capital. E é nisso que ainda temos de continuar a trabalhar. Para que haja confiança nos sistemas, confiança na nossa capacidade de acolher esse investimento. Há preocupações que esclarecemos e que se prendem com o repatriamento de capitais. Tudo isso é um processo de construção de confiança.

Qual foi o leque de empresas com as quais teve essas abordagens?

Estivemos com empresas de vários sectores, das águas, da construção, das telecomunicações, do sistema financeiro, navegação espacial, entre outros, que estiveram na reunião organizada pelo sindicato do patronato francês, o MEDEF. Aproveitamos também para apresentar os activos do Programa de Privatizações que poderiam interessar aos presentes. Notamos que houve interesse de algumas das empresas francesas em participar nos concursos e leilões em bolsa dos activos e empresas do PROPRIV.

Há quem coloque em causa o facto de a conferencia ocorrer em Paris, ao invés de numa capital africana. Entende esse argumento?

Nós costumamos ouvir que o mundo é uma aldeia global. Agora com a pandemia e esse movimento digital, cada vez mais sentimos que o lugar é um detalhe. Foi aqui, como poderia ter sido em qualquer outro país. O mais importante é que as pessoas tenham abertura política e que depois haja diligência para tornar as ideias em acções concretas. O resto é acessório.

Espera-se que o Presidente francês se desloque a Luanda?

O Presidente francês tem manifestado essa intenção há algum tempo e o assunto foi tratado ao nível diplomático. É verdade que toda essa situação de pandemia tem refreado essa intenção, mas essa vontade existe e o Presidente João Lourenço e nós os angolanos, de uma maneira geral, certamente o receberemos em Luanda oportunamente.

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