O Presidente João Lourenço fez questão de referir que o combate à corrupção e a pandemia são questões actuais e que, por certo, inquietam o Executivo, mas optou por se referir a “acontecimentos políticos e sociais dos últimos dias que têm despertado a atenção da nossa sociedade”.
E começou por: “O país foi surpreendido na madrugada do passado dia 30 de Janeiro com um acto de rebelião armada na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, protagonizado por um grupo de cidadãos nacionais e estrangeiros que atacaram, com armas de diferentes tipos, uma esquadra policial”. De acordo com o Presidente, e na linha do discurso oficial, os incidentes no Cafundo resultado na “morte de seis insurgentes e alguns feridos, que foram prontamente assistidos nas diferentes unidades hospitalares da província.”
Há inúmeros testemunhos da sociedade civil, igreja, autoridades tradicionais e partidos políticos, que insiste em que o número de mortos não é este, seja como for, é este que o Presidente toma como o número certo, e a esse propósito diz: “lamentamos, contudo, a perda de vidas humanas 19 anos depois do calar definitivo das armas no país e do restabelecimento da paz e da reconciliação nacional entre os angolanos”.
Em seguida, clarifica que, e de acordo com o número 6 do artigo 5º da Constituição, a integridade territorial é inquestionável e que a Polícia Nacional “frustrou a acção criminosa”. O Presidente não aceita a ideia de que quem atacou a esquadra tenham sido “pacatos cidadãos que realizavam uma simples manifestação, reivindicando por melhores condições de vida”.
No mesmo passo, considera que os deputados da UNITA que se deslocaram ao Cafunfo e a quem não foi permitido o acesso à vila, agiram ao arrepio do que juraram, que foi fazer cumprir a Constituição e a lei.
O Presidente João Lourenço remete para os “competentes órgãos do Estado, os Serviços de Investigação Criminal, a Procuradoria-Geral da República e os Tribunais apurem toda a verdade dos factos, a responsabilidade de cada um dos participantes, e actuem nos termos da lei”. Sendo que à partida é o próprio Presidente que classifica os acontecimentos como “um acto de rebelião”, ainda assim, acrescenta: “aguardamos pelas conclusões do inquérito em curso e a responsabilização criminal dos agentes da Polícia Nacional que terão praticado actos considerados desumanos, desonrando a farda que envergam”.
“Acompanhamos ultimamente com muita atenção os debates públicos à volta da nacionalidade adquirida por dirigentes de partidos políticos e a probabilidade de esses aspirarem a concorrer, algum dia, ao cargo da mais alta magistratura da Nação”, começa por dizer o Presidente, que, e entre vírgulas, coloca “algum dia”, ou seja, para João Lourenço essa possibilidade é remota, não é real, não é de hoje, o que das duas uma: ou o Presidente não reconhece legitimidade a Adalberto da Costa Júnior para se candidatar ao cargo de Presidente da República (a mais provável e a que vai ao encontro da campanha do partido do poder); ou para o Presidente da República, a questão da dupla nacionalidade (já) não se coloca quando se fala do líder do maior partido da oposição.
João Lourenço transforma mesmo a questão, numa não-questão, porque a dupla nacionalidade é uma “condição que hoje não está vedada a nenhum angolano, salvo a excepção prevista na Constituição”.
Mais preocupado está o Presidente com “o surgimento de uma campanha de incitação ao racismo e à xenofobia”.
Porque, diz o João Lourenço, “para um país como Angola, que pagou um preço muito alto com a perda de vidas humanas e infra-estruturas, pelo seu empenho e forte engajamento na luta contra o regime racista e segregacionista da África do Sul, portanto contra o racismo, não é realista e credível falar-se de algum plano de incitamento ao racismo e à xenofobia”.
E insiste que tudo isto é uma falsa questão. “Todo o barulho à volta deste falso problema procura, sobretudo, fomentar a divisão entre os angolanos, entre as diferentes regiões do país, entre as diferentes tribos e etnias que compõem o nosso rico e vasto mosaico cultural, e que sempre viveram e continuarão a viver em perfeita harmonia, a julgar pela nossa história, pela nossa cultura e vivência social”.
A profanação de símbolos e a vandalização de bens públicos é outras das preocupações do Presidente. “Esta actividade criminosa vem sendo desenvolvida quase sempre por jovens com ganância pelo lucro fácil, sem se importarem com os grandes danos causados às comunidades de que eles próprios são parte”, a esses jovens, o Presidente lembra que “se tivermos em conta o papel que os nossos jovens sempre desempenharam nas diferentes etapas da nossa história, somos levados a concluir que, no geral, os jovens não destroem, os jovens constroem! Construíram a nossa Independência, construíram a paz e a reconciliação nacional, estão hoje a reconstruir as infra-estruturas do país, estão a construir o presente e o futuro de Angola”.
E pedem aos jovens para não se deixarem “levar por maus conselhos” e “más companhias”.
A questão da IURD e outras igrejas também foi abordado na sua intervenção. “Ao Estado compete encontrar uma saída, dando tratamento diferente aos indiciados na presumível prática dos crimes, e outro aos fiéis que se sentem prejudicados com esta situação criada não pela igreja, mas por cidadãos da igreja que devem ser os únicos a pagar por eventuais crimes que tenham cometido”.
A revisão da Constituição
E João Lourenço passou ao grande tema, digamos assim, da sua declaração de 2 de Março, a escassos dias de completar os 67 anos de idade. “Nos termos do artigo 233.º da Constituição da República de Angola, decidi tomar a iniciativa de revisão da Constituição, cujos termos serão vistos na presente sessão do Conselho de Ministros e posteriormente remetidos à Assembleia Nacional para os devidos efeitos”.
Na Assembleia Nacional, o partido maioritário, o MPLA, tem, pelo menos nesta legislatura, a maioria de dois terços que lhe permite a aprovação da revisão constitucional, será certo que vai jogar pelo seguro, e o debate a aprovação devem ser feitos ainda no primeiro mandato do Presidente João Lourenço e muito rapidamente, até para que as eleições autárquicas se façam efectivamente em todo o país eliminado o gradualismo constitucional.
Sobre a revisão da Constituição, o Presidente João Lourenço, e não se referindo ao assunto, deixou implícito que a forma como o Presidente da República será eleito se mantém – como cabeça de lista do partido mais votado.
A revisão constitucional vai então incidir, “entre outros, sobre os seguintes domínios: Clarificação do modelo de relacionamento institucional entre o Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, e a Assembleia Nacional, no que respeita à fiscalização política”, e ainda o “direito de voto aos cidadãos angolanos residentes no exterior”, a “afirmação constitucional do Banco Nacional de Angola como Entidade Administrativa Independente do Poder Executivo”.
Não menos importante será a “eliminação do princípio do gradualismo como um princípio constitucional condutor do processo de institucionalização efectiva das autarquias locais”, uma discussão que deve ser feita antes da aprovação da última lei do pacote legislativo autárquico que tem a ver com a institucionalização das autarquias.
Outro detalhe revelante tem a ver com a “constitucionalização de um período fixo para a realização das eleições gerais”, ou seja, a sua periodicidade fica constitucionalmente assegurada. Muitos vêem aqui uma porta entreaberta à discussão de um terceiro mandato.
“Com esta proposta de revisão pontual da Constituição, pretende-se preservar a estabilidade dos seus princípios fundamentais, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo-a ajustada ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalização política e melhorar o relacionamento institucional entre os órgãos de soberania, bem como corrigir algumas insuficiências”, disse o Presidente da República.
Uma constituição que seja um “projecto comum de sociedade, a construção de uma sociedade de paz, justiça e progresso social”.
E por agora, o Presidente tirou à oposição dois temas: a revisão constitucional e a fiscalização do poder executivo. Isto numa altura em que as sondagens indicam que os partidos da oposição teriam mais votos do que o actual partido do poder.