Poder

No melhor pano cai a nódoa, mas já estamos habituados

O actual embaixador de Angola no Quénia dava os primeiros passos na vida pública ao mesmo tempo que a Nação se fazia independente, nada mais auspicioso. E é isso mesmo que nos diz a sua biografia oficial: “O percurso profissional de Sianga Abílio teve um início marcante por coincidir com o momento da proclamação da Independência Nacional. Na altura, com 19 anos de idade em Luanda, foi um dos dois jovens quimícos* angolanos que asseguraram o funcionamento do laboratório químico da CONGERAL, uma fábrica de óleo alimentar e sabão, em Luanda, preenchendo o vazio que havia sido provocado com o abandono de Angola dos técnicos portugueses”.

Em 1976, parte para a Argélia como bolseiro num grupo de 60 jovens angolanos para formação no sector petrolífero – lembramos que a Sonatrach, a petrolífera da República da Argélia, foi decisiva no arranque da Sonangol, empresa criada, justamente, em 1976. Em 1981, já licenciado em Engenharia (Geólogo de Petróleo), regressa ao país, e ingressa, logo em 1982, na Sonangol, depois de uma breve passagem pela Total, Angola. Em 1986, é nomeado director de Prospecção e Pesquisa da petrolífera estatal angolana. Em 1992, passa a director-geral da Sonangol Pesquisa e Produção, a primeira subsidiária da Sonangol. Por despacho presidencial é nomeado, em 1999, administrador executivo e integra o Conselho de Administração da Sonangol, nos anos seguintes, quase uma década, acumulou esse cargo com o de presidente de Conselho de Gerência Base do Kwanda, no Soyo, presidente do Conselho de Administração da Sonamet, no Lobito, presidente do Conselho de Administração da Empresa Angola LNG e primeiro presidente do Conselho de Administração da Mercury-MST (telecomunicações). Fez ainda vários cursos de especialização em França, nos Estados Unidos e Inglaterra.

Em 2008, o homem dos petróleos é nomeado vice-ministro do Ambiente de um governo liderado por José Eduardo dos Santos. Em 2012, é nomeado Secretário do Estado para as Novas Tecnologias e Qualidade Ambiental, responsável pelo grupo técnico que elaborou, em 2015, o Plano Provincial de Limpeza Urbana de Luanda e Sistema de Cobrança da taxa de Serviços de Lixo, ora aqui está um sinal que não devia ter sido desvalorizado.

Mais uma década de carreira cumprida, agora no Governo, e o engenheiro Sianga Abílio passa para a carreira diplomática, e em Fevereiro de 2018 é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário na República do Quénia e Representante Permanente de Angola junto dos Escritórios das ONU em Nairobi.

É do MPLA desde 1975. Entre 1997 e 2007, foi Primeiro Secretário do Comité de Acção do Partido da Sonangol e posteriormente primeiro-secretário do Comité de Sector da Sonangol que integrava a Sonangol Distribuidora, a Sonair e a Sonangol Holding. Membro do Comité provincial do partido de Luanda (CPPL), e, em 2016, passou a membro do Comité Central do MPLA.

Sianga Abílio faz parte de uma pequena multidão de membros do partido do poder que durante anos se assumiram como facilitadores de negócios a troco de comissões, uma prática de tal forma banalizada que falar dela como corrupção era, no mínimo, uma bizarrice.

Em Abril de 2017, um artigo do Maka Angola colocava no mesmo patamar o vice-presidente da República, Manuel Vicente, o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, o consultor da Casa de Segurança do Presidente da República, Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, o secretário de Estado do Ambiente, Sianga Abílio, e o ex-presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Francisco de Lemos Maria no mesmo projecto: fiscalização de empreitadas para a realização de estudos, projectos executivos e construção de estações de tratamento de água, tudo devidamente legitimado através dos habituais decretos presidenciais.

De acordo com essa notícia, o presidente à época, José Eduardo dos Santos aprovou o Projecto de Fiscalização das Empreitadas para a Realização de Estudos, Projectos Executivos, Construção de Estações de Tratamento de Água, Sistema 4 (BITA), Sistema de Distribuição e a minuta do Contrato de Fiscalização da Empreitada (Lote B5) para Realização de Estudo, Projecto Executivo e Construção de Centro de Distribuição de (CD Ramiros), composto por reservatórios, tanque elevado, incluindo estação de bombagem, edifícios auxiliares e rede de distribuição associada.

E ainda autorizou o Ministério da Energia e Águas a celebrar o referido contrato com a Empresa TILCA – Angola Infra-Estruturas e Serviços, S.A., no valor total de 46 milhões e 876 mil kwanzas. A TILCA é uma sociedade anónima pertencente às figuras acima mencionadas, incluindo José Carlos Teixeira Gil da Cunha, um quadro da Sonangol. Estas seis figuras adquiriram a totalidade das quotas da sociedade, a 27 de Agosto de 2008, ao mesmo tempo que esta se transformou de sociedade por quotas em sociedade anónima, conforme verificação notarial. Mais tarde, a 8 de Junho de 2016, Dos Santos exarou o segundo despacho presidencial, que aprovou uma adenda ao Contrato de Fiscalização da Empreitada, que se traduzia numa alteração do valor para o pagamento da fiscalização, previsto em kwanzas, foi convertido em 493 mil 180 dólares, porque o projecto foi inserido numa linha de crédito não especificada.

Nessa altura, o artigo chamava a atenção para o facto de “os dirigentes-empresários não se fiscalizam a si próprios e, tendo eliminado o mercado concorrencial, a capacidade de fiscalização da Assembleia Nacional e a independência do poder judicial bem podem agir com impunidade na captura do Estado”, a tudo isto se acresce: “a péssima qualidade do trabalho desses dirigentes-empresários é visível na água suja que jorra das torneiras da cidade e na falta de água potável em muitos bairros de Luanda”.

Por esta altura, as contas bancárias no exterior do país de de Sianga Abílio tinham sido recheados com tranches de 100 e 200 mil dólares cada e outros “trocos” pelo empresário francês Didier Keller, condenado na Suíça por corrupção activa a agentes estrangeiros, e, entre eles, vários angolanos, a quem terá pago cerca de sete milhões de dólares entre 2005 e 2008. Os angolanos tinham posições de destaque na petrolífera do Estado, a Sonangol, e, em muitos casos, o que tinham a fazer era não vetar contratos que lhes eram apresentados, enquanto membros do Conselho de Administração. Os pagamentos vieram através de uma empresa holandesa a SBM Offshore, via bancos suíços e foram parar a contas tituladas pelos gestores da Sonangol na banca portuguesa.

Os documentos que agora são de conhecimento público dizem-nos quem são as personalidades angolanas que aceitaram pagamentos da SBM Off Shore, e são: Sianga Kivuila Samuel Abílio, antigo director executivo e membro do Conselho de Administração da Sonangol, José Manuel Jesus Sardinha de Sousa, antigo director de produção da Sonangol, o antigo chefe do departamento de instalações, Luís Pedro Manuel, que para além de ser um quadro da Sonangol pertencia também à direcção da filial Sonangol USA, e Baptista Muhongo Sumbe, presidente do Conselho de Administração e CEO da Sonangol USA.

Para estes pagamentos foram criados contratos que tiveram de ser aprovados por diversos níveis da hierarquia administrativa da Sonangol.

Related Articles

Back to top button