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Angola mantém contactos directos com o M23

Entre os temas abordados na entrevista à EuroNews temos a crise energética, a guerra na Ucrânia e a instabilidade na região, onde o Presidente João Lourenço tem vindo a assumir protagonismo no seu papel de mediador, ou, como prefere o discurso o oficial, de “campeão da paz”.

Com a crise energética na Europa, e apesar de os países europeus terem diminuído seriamente a sua dependência da Rússia, procuram-se fontes alternativas de fornecimento de petróleo e gás, e Angola pode posicionar-se nesse sentido, disse-o o Presidente João Lourenço.

“Angola é uma alternativa. Angola, neste momento, produz mais petróleo do que gás, embora tenhamos algum gás. Mas constituímos um novo consórcio para a produção de gás. Portanto, várias multinacionais, em consórcio, vão começar a explorar mais gás em Angola, há reservas identificadas. O gás em Angola não se desenvolveu muito, porque havia falta de legislação. Angola não tinha legislação específica para o gás, virada para o gás, e isso inibia, de alguma forma, as multinacionais. Mas esta situação está ultrapassada, desde 2017, e acreditamos que a produção de gás natural, não gás associado, em Angola vai conhecer um boom nos próximos anos e, portanto, a partir daí, a Europa pode contar com Angola como um importante fornecedor não apenas de gás como também de hidrogénio verde. Já estamos a fazer contactos com alguns países europeus para a produção de hidrogénio verde”, disse o Presidente João Lourenço.

Ainda na Europa, e sobre o conflito ucraniano, entre abstenções e adesões às votações no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a invasão russa da Ucrânia, o Presidente João Lourenço respondeu assim: “Houve três resoluções, das três Angola absteve-se em duas. Abstenção não é reprovação. Abstenção é abstenção, deve ser interpretada como tal. Na segunda resolução, Angola votou a favor da mesma, porque a resolução era muito concreta, visava sobretudo condenar a anexação das quatro regiões que compõem o Donbass, e Angola entendeu que a agressão em si já era má, já era grave, mas pior do que a agressão, era a anexação de um território alheio, de um país vizinho, membro das Nações Unidas. Portanto, aí Angola teve uma opção muito clara de votar a favor da resolução proposta, na altura. No caso desta mais recente, Angola absteve-se.”

E acrescentou algo, que não sendo um exclusivo de Angola, a verdade é que o país alinha nessa ideia – e ao contrário, por exemplo, dos Estados Unidos ou da União Europeia que defendem que a Rússia não deve ser levada ao Tribunal Penal Internacional para responder a crimes de guerra – disse, então, sobre o assunto, o Presidente João Lourenço: “Mas antes (de se abster na mais recente resolução) teve o cuidado de procurar negociar – podemos utilizar esse termo – ou a retirada ou o aligeiramento, podemos assim dizer, apenas de um parágrafo. Estou a referir-me, concretamente, ao parágrafo operativo, como lhe chamam, ou P9, que se referia, digamos, a levar a um tribunal criminal internacional o agressor. Não é que isso não se possa fazer, mas nós entendemos, e conhecemos métodos de negociação, que quando se está a negociar tem de se deixar sempre uma porta aberta. E consideramos que neste momento a prioridade é levar a Rússia à mesa das negociações. Tudo deve ser feito no sentido de se levarem as duas partes, mas sobretudo a Rússia, à mesa das negociações para se conseguir um cessar-fogo que seja duradouro e negociar-se a paz não apenas com a Ucrânia, mas com a NATO”.

Passando do contexto europeu, e mesmo antes de chegar ao contexto global, foi perguntado ao Presidente da República: “Qual o impacto desta guerra em África?”, ao que respondeu: “África não é uma ilha isolada no mundo. Nós vivemos num mundo globalizado, com uma interdependência entre nações muito grande. Portanto, a crise económica, a crise energética, a crise de segurança que esta guerra da Ucrânia provocou afecta todos os países do mundo, sem excepção, e talvez mais o continente africano, porque nós temos mais vulnerabilidades”.

E muitas dessas vulnerabilidades advêm da instabilidade étnica, da insurgência e mesmo da guerra. Angola tem defendido o levantamento do embardo de venda de armas ao governo da República Centro Africana, que tem recorrido à Rússia, e mais concretamente, o Grupo Wagner. O Presidente João Lourenço sobre o assunto disse: “É preciso que o país cumpra com o Roteiro de Luanda. De alguma forma começou a cumprir, mas o processo não está concluído. É preciso, portanto, negociar com todas as forças vivas do país, com a oposição, em particular, pelo menos aquela oposição que está no território centro africano. E dar oportunidades a outros actores políticos para que possam participar da vida política do país.”

Igualmente relevante, e também aí o Presidente João Lourenço está profundamente empenhado numa paz que tarde em que se fazer cumprir, é o que se passa na República Democrática do Congo, mais concretamente no leste do país, devido ao ressurgimento do M23. João Lourenço lembrou que não está sozinho nesse processo, disse: “as propostas não foram apenas de Angola. São de vários chefes de Estado. O que é preciso destacar é que se concluiu que é preciso que sejam dados dois passos, sobretudo um passo, que é procurar-se alcançar, a todo o custo, um cessar-fogo definitivo, porque ele foi violado sucessivas vezes, o que saiu na sequência da cimeira de Luanda foi violado sucessivas vezes. É preciso alcançar um novo cessar-fogo. É preciso, imediatamente, após esse cessar-fogo, dar-se o passo seguinte de acantonamento das forças do M23. E para que haja este processo de acantonamento, a cimeira concluiu que há a necessidade do desdobramento da força regional, que é composta por quatro cinco países, o Quénia, o Burundi, o Sudão do Sul, o Uganda e a Tanzânia. Portanto, desses países apenas um já tem tropas no terreno. Estou a referir-me ao Quénia, que está a suportar as despesas da manutenção da sua força no terreno. Mas os outros quatro países estão com alguma dificuldade financeira em cobrir esta operação de desdobramento e a Cimeira da União Africana, sobretudo o seu Comité de Paz e Segurança, irá recorrer ao Fundo de Paz e Segurança do continente para cobrir essa despesa.”

E acrescentou: A cimeira de Addis Abeba incumbiu Angola de estabelecer o contacto directo com a liderança do M23, no sentido de convencê-los a aceitar o cessar-fogo e o acantonamento das suas forças. E nós iniciámos, imediatamente, o cumprimento desta missão que nos foi dada. E neste exacto momento, Angola já está a manter contactos com a liderança do M23″.

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