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“Jornalistas não arriscam manter a dignidade acima do pão”, diz Luaty Beirão

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Além do chefe do Executivo angolano, a acção popular visa a Entidade de Regulação da Comunicação Social angolana (ERCA) e os conselhos de administração da Televisão Pública de Angola (TPA), da Rádio Nacional de Angola (RNA), do Jornal de Angola e da TV Zimbo.

O que esperam com este processo?

Luaty Beirão (LB): Temos a plena noção de que isto é um acto simbólico. Nós sabemos que a justiça não vai tomar as medidas adequadas, porque a justiça não é livre, independente e isenta. Mas, como cidadãos, nós temos essa obrigação de usar todos os métodos legais ao nosso dispor. Nós não esperamos que o tribunal reaja positivamente, mas temos de dar esse trabalho às instituições. As instituições têm de ter esse ónus de nos responder e fundamentar a invalidação da nossa petição.

Acha que a ação vai a tempo das eleições de 24 de agosto?

LB: Nós não temos grande esperança de que isso venha a tempo de fazer nada. Estamos é, como disse, a fazer um acto simbólico para demonstrar que estamos ofendidos pela forma infantil com que nos tratam, com que nos pisam, com que desrespeitam os nossos direitos. Se nós vivêssemos num Estado democrático esta petição nem tinha lugar de existir, porque a imprensa iria fazer o seu papel. Mas se há esse descaramento e não há nenhum tipo de regulação ou impedimento para que todos os dias estas práticas continuem a ser reiteradas, não esperamos que isto se corrija. Infelizmente, não se vai corrigir, porque há uma intenção deliberada de o fazer pelo poder, que deveria monitorizar, impedir que isto acontecesse.

Porque é que entendem que é preciso direcionar uma ação contra o próprio Presidente da República?

LB: Nós temos, em Angola – mais uma coisa que é típica de regimes autoritários – um ministério para tutelar a comunicação social. E depois temos um organismo, que também é visado nesta queixa, que é a ERCA, que é supostamente de regulação da comunicação. O ministro da que tutela a comunicação social é um auxiliar do titular do poder executivo, que tem obrigação, e jurou, defender a Constituição e a legalidade. Portanto, se um auxiliar seu deixa desrespeitar despudoradamente essa Constituição, ele tem obrigação de intervir, por causa desses poderes em excesso que ele tem e da falta de poder que os outros têm, porque tudo tem de passar pelo chefe. Não o fazendo, ele é conivente por omissão. Assim, nós não podemos deixar de direcionar a nossa queixa contra ele.

Como seria possível mudar este panorama da comunicação social em Angola?

LB: É uma pergunta para a qual não tenho uma resposta sem ser utópica: seria os jornalistas serem profissionais, que não são. Muitas vezes, não é por não terem competências, mas pelo facto de o ambiente político ser propício à intimidação e á perseguição. Recentemente, só para dar um exemplo do ponto a que chega o escândalo da manipulação da imprensa pública, foi posto no teleponto de um jornalista que tinha de citar uma suposta sondagem feita por uma suposta empresa brasileira que não existe. Obviamente uma sondagem, a única que foi frisada na imprensa pública, que supostamente beneficiava o MPLA [partido no poder]. Porque as sondagens que estão a ser feitas por pessoas, vamos dizer, independentes, que não têm filiação partidária, todas estão a dar números completamente contrários ao que foi revelado. E a televisão nunca menciona essas sondagens, nem para falar mal. Ou seja, as pessoas que escolheram enveredar pelo jornalismo e que sabem quais são as normas deontológicas que devem respeitar, acabam por ter que pôr isso em segundo plano, porque estão o emprego e o sustento das suas famílias em causa e eles não arriscam manter a dignidade acima do pão. Essa é a resposta utópica. A outra, mais pragmática, é que o MPLA tem de sair do poder.

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