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É um falso problema a questão da alteração do limite de mandatos, diz o Presidente da República

Em entrevista à Voz da América, em Washington, o Presidente João Lourenço foi questionado acerca de vários temas de política interna como a eventual revisão da Constituição, para a qual terá de contar com o maior partido da oposição, da recuperação de activos e de Isabel dos Santos, e ainda de eleições autárquicas, para lembrar que a iniciativa foi sua, e que talvez também por isso o tempo para a realização de eleições autárquicas – ou não – passe pelo Governo que dirige e pelo partido que lidera, sem ceder ao apelo dos que clamam por uma data para as eleições autárquicas, que podem vir a acontecer antes, durante ou depois de aprovada a nova proposta de divisão político-administrativa do país.

Quem falou em revisão da Constituição mais recentemente foi o Presidente João Lourenço, numa reunião ordinária do bureau político do Comité Central do MPLA, o assunto criou ondas de interpretação várias, até com alguma teoria de conspiração política à mistura. Do debate que se seguiu, com especial destaque para as redes sociais, como habitualmente, duas questões destacaram-se: como podia o MPLA desencadear uma revisão da Constituição sem os votos dos deputados da Unita, para perfazer uma maioria qualificada, foi a primeira, e a segunda foi de que o que se pretende é alargamento do número de mandatos do Presidente da República, para que João Lourenço se possa manter no poder para além de 2027.

No que tem a ver com a primeira, o maior partido da oposição liderado por Adalberto Costa Júnior, desdramatizou o assunto, e o líder do grupo parlamentar da Unita, Liberty Chiyaka, veio lembrar que o seu partido disse insistentemente durante a campanha eleitoral que faria uma revisão da Constituição no caso de obter a vitória, nomeadamente, para a eleição directa do Presidente da República, ou seja, deixou aberta uma janela para um qualquer entendimento com o MPLA nesse sentido, não tanto na eleição directa do Presidente da República, mas, pelo menos, de colaborar numa eventual revisão do texto “bússola” do regime angolano, criado em 2010 para responder às necessidades de um regime liderado por José Eduardo dos Santos, a revisão pontual de 2021, para além de polémica, foi muito pouco substantiva.

Quanto à segunda questão, do alargamento do número de mandatos, foi arrumada, digamos assim, pelo Presidente João Lourenço na entrevista que deu à Voz da América, em que fala do assunto como uma “falsa questão” e explica porquê.

João Lourenço assumiu que quando se fala da “necessidade da possibilidade de qualquer revisão constitucional, não se está a falar, necessariamente, da possibilidade da alteração do número de mandatos do chefe de Estado”, e lembrou que “a prova disso é que em 2021 fizemos uma revisão da Constituição (…) nunca ninguém falou nessa possibilidade”, para reforçar que não vê qualquer razão para as pessoas pensarem que quando se fala da revisão da Constituição “é porque existe a intenção de se alterar o número de mandatos do Presidente da República. Eu acho que isso é um falso problema, e nós nunca nos referimos a isso, sempre dissemos que Constituição e a lei são para ser cumpridas, portanto vamos cumprir”, asseverou o Presidente João Lourenço.

Passando para outro tema, fez questão de dizer que ajuste directo e contratação simplificada não são a mesma coisa, sendo que na prática, a assinatura presidencial transforma uma e outra coisa na mesma coisa, mas, seja como for, lembrou que a contratação simplificada “é uma das modalidades de contratação previstas na lei”.

Quando confrontado com as recentes declarações de Rafael Marques, também em Washington, de que este tipo de contratação tinha como objectivo criar uma nova elite para patrocinar o regime, o Presidente João Lourenço disse: “desminto essas afirmações”, e convocou para que se mostrem provas do que é dito, porque, disse ainda, “nós não estávamos à espera de favores de ninguém, se eles estiverem elementos que que apontam nesta direcção então que os ponham em cima da mesa, nós estamos dispostos a ouvi-los”.

Mas mesmo sem os ouvir, temos que os contratos em Angola, que envolvem milhões de dólares, envolvem sempre as mesmas empresas. Ainda recentemente o Novo Jornal dava conta que o Governo entregou à Gemcorp a reabilitação e expansão das redes de transmissão da Angola Telecom através de um contrato por ajuste directo no valor de 188,8 milhões de dólares, a mesma notícia referia a presença tentacular da Gemcorp numa série de negócios em Angola, diversos deles ruinosos para o Estado.

E por falar em negócios ruinosos para o Estado… falou-se de Isabel dos Santos, aparentemente, a única que é “perseguida” pela Justiça para pagar por isso mesmo.

Confrontado com o facto de Isabel dos Santos o acusar directamente de “perseguição” e a Justiça angolana de “investigação selectiva”, João Lourenço fez questão de dizer que Isabel dos Santos deve responder perante a Justiça, que são os únicos que a perseguem.

“Eu acho que ela tem que responder perante a Justiça, quem está a perseguir, entre aspas, como ela diz, é a Justiça e a Justiça não persegue ninguém sem fundamento, o que ela tem de fazer é provar que a Justiça não tem razão, portanto, ela de nada ganha em estar a apontar o dedo a políticos, ela tem que responder perante a Justiça, todas as alegações que tiver, deve fazê-lo perante a Justiça, se é assim em todo o mundo, em Angola não pode ser diferente”, disse o Presidente João Lourenço.

Outro dos temas inevitável numa conversa com o Presidente são as eleições autárquicas. Nesse caso, o João Lourenço fez questão de sublinhar que a nova divisão político-administrativa não é incompatível com eleições autárquicas e lembrou que a iniciativa foi sua e foi anunciada numa reunião do Conselho da República, de facto, aconteceu esse anúncio, logo no início do primeiro mandato, que passou sem que o pacote legislativo autárquico tivesse sido aprovado.

João Lourenço começou por dizer que o seu partido, o MPLA, “defende, pelo menos até aqui, a necessidade do gradualismo, porque é uma novidade, em Angola nunca houve eleições autárquicas e nós entendemos que é muito mais seguro começar por um certo número de municípios e depois ir crescendo, ir avançando”, mas “a oposição não pensa assim”, disse o Presidente, e passou a bola ao parlamento, “portanto, é o Parlamento que vai decidir, no fim, se será gradual a implantação das autarquias ou será em simultâneo, na totalidade dos 164 municípios”, e ainda acrescentou “o Parlamento é soberano e os partidos estão lá, é lá, no Parlamento, que devem discutir este assunto”.

E ainda acrescentou “defendemos um Estado de direito e num estado de Direito tem que se defender a primazia da lei, portanto sem lei não se pode fazer as eleições autárquicas”, disse ainda o Presidente, que esclarecer que “não se realizam as eleições autárquicas por falta de vontade política do Presidente da República ou do seu partido, do MPLA”, sem que, contudo, tenha explicado como é que sendo o MPLA o partido maioritário na Assembleia Nacional o processo não passe inevitavelmente pela vontade política do partido do poder e do seu líder.

Dito isto, o Presidente João Lourenço disse que a proposta da nova divisão político-administrativa não impede a realização de eleições autárquicas. “O que é que vai acontecer primeiro, autárquicas ou a divisão político-administrativa? Em primeiro lugar quero dizer que uma coisa não impede a outra, ou seja, a divisão política administrativa não vem para substituir as autarquias locais, portanto, são duas coisas vão coexistir, é preciso que fique claro, porque às vezes fica a ideia de que, bom, agora lançaram esta nova divisão político-administrativa, de aumentar o número de municípios, isso é para deixar no esquecimento às eleições autárquicas, mas são dois poderes diferentes, o poder autárquico é um poder e o poder do Estado é outro, a nova divisão político-administrativa só tem a ver com poder de Estado, só com a forma de administrar do Estado” explicou João Lourenço, mas insiste que não sabe o que vai acontecer primeiro, ou se será em simultâneo, porque “uma não interfere com a outra”.

Depois deste assunto, o Presidente da República disse que foram recuperados cerca de 4 mil milhões de dólares “entre recursos financeiros e activos físicos” para acrescentar que “ainda há muito mais para se recuperar”, curiosamente, este valor é ligeiramente inferior ao que já foi anunciado por fontes da Procuradoria-Geral da República que apontavam para cerca de 5 mil milhões de dólares.

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